* Colaborador da revista Roadie Crew e um dos autores do livro Tá no Sangue – A História do Rock Pesado Gaúcho
Parece mentira, mas Ian Fraser Kilmister, a figura mais icônica do rock n' roll, nos abandonou. Simples assim, rápido e rasteiro, como sua música. A tristeza me abateu de imediato, e mesmo não recuperado do choque com a morte do ex-baterista Philthy Animal em novembro passado, o sentimento se agravou profundamente. Ora, Lemmy é Deus! Com 70 anos recém completados no dia 24 de dezembro, ele deixa um vácuo enorme na cena do rock pesado, após ter influenciado milhões de jovens sedentos pela sonoridade crua do Motörhead, mas sua obra viverá eternamente.
Chega a ser redundante falar sobre a importância que a banda teve para a formação de nomes como o Metallica, por exemplo, que em muitas fases de sua carreira homenagearam Lemmy e cia. Também é importante ressaltar a importância que tiveram na criação do Thrash Metal, pois talvez sem músicas como Overkill ou Ace of Spades a história teria sido bem diferente. Por mais que Lemmy negasse que o Motörhead fosse uma banda de heavy metal, não há o que se discutir. Temos apenas que agradecer.
Gustavo Brigatti: Lemmy Kilmister foi durão até o fim
Minha primeira grande tristeza no meio musical foi quando os Ramones foram aos poucos nos deixando, um a um. Nunca esquecerei o dia em que soube da morte de Joey Ramone. Ainda que os Ramones tenham surgido pouco tempo antes do Motörhead, ambos se influenciaram (e me influenciaram, de uma forma ou outra), tanto que no lançamento do álbum 1916, de 1991, há uma música chamada R.A.M.O.N.E.S. em homenagem aos reis do Punk, que logo foi incluída no set list dos próprios Ramones. A canção foi a tocada no último show da banda punk, em 1996, com a presença do próprio Lemmy. Esse foi um momento que eu, como fã dos dois grupos, gostaria de ter presenciado antes de morrer.
"Tive grandes momentos no Brasil", disse Lemmy antes de show em Porto Alegre
No comunicado oficial na página do Motörhead no Facebook, ficou bem claro que Lemmy faleceu de forma tranquila e fazendo o que gostava, ou seja, se divertindo!
"Estava em casa, sentado na frente do seu videogame favorito (...) junto de sua família", como diz a publicação.
Gustavo Foster: a primeira coisa que lembro de minha conversa com Lemmy
Apesar da saúde fragilizada do bom velhinho, ainda havia esperança de que ele fosse seguir em frente por muitos anos, nos deixando para trás, num rastro de destruição. Pensávamos que ele era imortal, que viveria para sempre. Ledo engano. Seu corpo se foi – devido a um câncer extremamente agressivo – e não haverá mais álbuns nem shows, porém seu legado em nome do Rock N' Roll é gigante e servirá de inspiração para jovens garotos, que como eu, décadas atrás, se viu jogado nesse mundo com uma fitinha K7 embaixo do braço.
Lemmy facts: curiosidades e fatos que marcaram a vida do líder do Motörhead
Creio que eu deva muito ao Motörhead. Todos devem. Minha história deve ser parecida com a de vários garotos e garotas ao redor do mundo. Minha lembrança mais remota da banda foi ler uma entrevista na revista BIZZ lançada em 1989, quando a banda estava vindo ao Brasil pela primeira vez. E foi justamente naquele ano que tocaram em Porto Alegre. Se eu pudesse, gostaria de ter nascido um pouco antes para ter assistido aquele show. Que inveja de vocês, que presenciaram o massacre sonoro no Gigantinho!
Jaime Silva: referência do rock, Motörhead fez a ponte entre o punk e o metal
Mas em 2015 retornaram e daí sim pude presenciar uma verdadeira aula de rock n' roll. Lemmy não estava em suas melhores condições, mas só de ter respirado o mesmo ar que o mestre já basta. Nunca esquecerei o momento em que ele estava saindo do palco, quando pensei: "Nunca mais verei ele e nunca mais chutarão nossas bundas!".
Artistas lamentam a morte de Lemmy Kilmister
Lemmy foi um daqueles caras que invejamos. Vejam só: foi roadie de Jimi Hendrix, assistiu a shows dos Beatles no Cavern Club, transou com centenas de mulheres, forjou clássicos e mais clássicos, viajou pelo mundo, bebeu todas, fumou todas, usou várias drogas, ganhou um filme em sua homenagem, livros, etc. Os mais puritanos que me desculpem, mas esta é a vida que todos gostariam de ter. Foram 70 anos muito bem vividos, dos quais 40 foram dedicados ao Motörhead. Antes disso, também fez história com o Hawkwind, onde gravou a seminal Silver Machine, música hipnótica e uma das minhas preferidas de sua carreira, ao lado de Killed by Death.
Baterista do Motörhead confirma fim da banda
Sua postura sólida, sua inteligência, humildade e seu bom humor jamais serão esquecidos. Estas foram suas maiores qualidades, bem como sua luta e persistência vivendo de algo que sabemos ser muito difícil: viver de rock n' roll. Nos dias de hoje, só quem tem muita força de vontade é que consegue seguir esta vida, na qual tenho orgulho de fazer parte, 24 horas por dia.
Com dezenas de shows realizados no Brasil, de 1989 até 2015, não é muito difícil imaginar o quanto eles influenciaram os brasileiros e o quanto amavam o país. A música Going to Brazil é prova disso.
Os músicos gaúchos têm muito a falar sobre a importância de Lemmy:
Flávio Soares (Leviaethan)
Ao me deparar com a realidade que todos sabíamos que teríamos que enfrentar, a de que Lemmy era Deus mas não era imortal como pensávamos, me dou conta que ele me influenciou muito mais do que sequer um dia imaginei. Mesmo não tendo sido alguma obra sua o meu primeiro contato com o mundo do som pesado, com certeza álbuns como Ace of Spades, Iron Fist, Overkill e No Sleep 'til Hammersmith mudaram minha vida. Não porque me fizeram tocar Heavy Metal ou ter uma banda, mas sim por, inconscientemente, adotar o mesmo estilo de vida e viver, no meu tempo e espaço, para o rock n' roll e o metal. E, por essas circunstâncias da vida, também ser vocalista e baixista de uma banda pioneira. Agora, paro pra pensar e só tenho que agradecer aos ensinamentos – como "the pleasure is to play, makes no difference what you say" e "live to win" – ou ainda à oportunidade de encarnar o mestre na banda tributo IRON FIST RS e começar uma apresentação com a velha frase "we are Motorhead and we play rock n' roll"! E ainda agradecer por ter gravado o grande clássico Stay Clean, com solo de baixo e tudo como bônus para o lançamento do nosso segundo álbum (Disturbed Mind) na Inglaterra. Obrigado por tudo, meu velho, mas principalmente por ser este exemplo eterno de humildade e fidelidade aos teus e nossos ideais. Descanse em paz!
Alessandro Marques (Father's Face, Althar, Staut)
O show do Motörhead com o Dorsal Atlântica, no Gigantinho, em 1989, foi o meu primeiro show internacional. Lotamos um ônibus em Três Coroas para ir. A banda tinha fama de ser a mais ruidosa do mundo ao vivo, e o impacto daqueles caras despejando um rock n' roll muito pesado e agressivo mudou a minha própria postura nos palcos. Quando perdemos alguém que transpôs os limites de fazer arte e se tornou um ícone, o vazio que fica é causado pelo medo de não encontrarmos mais novos ícones. A contribuição dos que partem será tão eterna quanto sua figura.
José Henrique Godoy (One of Them, Sin Avenue)
Comecei a curtir rock pesado em 1983. Estava ambientado com Kiss, Sabbath, Iron Maiden. No inverno de 1984, fui com uma prima comprar LPs num shopping em Porto Alegre. Dei de cara com a capa de No Sleep Till Hammersmith, o ao vivo do grupo, lançado em 1981. Não conhecia e perguntei pra ela:
– Conhece Motorhead?
Ela respondeu:
– Nunca ouvi, mas pelo que dizem ,é um inferno de barulhento.
Comprei o LP, para conhecer o tal "inferno". Era totalmente diferente do que já havia escutado. Me apaixonei logo na primeira audição pela bateria avassaladora de Animal Taylor, a guitarra certeira de Eddie Clarke, e, principalmente, pelo som daquele terceiro instrumento que mais parecia uma segunda guitarra. Na realidade era o baixo cheio de distorção tocado por um já quase quarentão Lemmy Kilmister, acompanhando a sua voz que mais parecia de um individuo que acabara de sair do balcão de um bar, às 3h. Este foi meu primeiro contato com o Motörhead, que veio a ser uma das minhas bandas preferidas, e Lemmy um dos maiores heróis que tive no mundo do rock. Sua personalidade forte, suas tiradas quase sempre humoradas e seu ponto de vista inteligente tornaram-no a lenda que deixou de estar conosco fisicamente, mas estará nos nossos corações por toda a eternidade.
Márcio Jameson Kerber (Finally Doomsday)
É claro que o Motörhead começou me influenciando musicalmente, com seu som rápido e energético. Há 25 anos, o grupo soava como uma bomba nuclear, mas ao longo do tempo, percebi a parte lírica falando sobre aproveitar a vida ao máximo, a temática como em "born to lose, live to win", a lição de persistência que a banda dá ao longo de sua história, nunca traindo seus princípios ligados ao rock n' roll de raiz. Hoje posso dizer que vivo o estilo de vida do Motörhead, minha vida pessoal e profissional é a mesma, sou rock e metal o dia todo, uma bela lição aprendida com a lendária inglesa.
Leandro Sberzesengik (Pietà)
Todo o show tem um propósito e o Motörhead tinha o próprio estilo reto, cru e muito, mas muito alto! Foi assim que percebi o show em 1989. Muita luz e um palco enorme. Ao rugir o monstruoso "Rickão" de Lemmy se entendeu tudo! O rock muito pesado, rápido e reto iria começar! Inesquecível. Como não entender a influência deste grupo que atravessou décadas sem mudar sua postura? Todos, do punk ao grindcore tiveram implantadas as cores do som de Lemmy e seus guerreiros seguidores. Tanto no timbre dos instrumentos quanto nas capas temáticas seguidas por dezenas de grupos pesados após a década de 1970. Isso que deu a este senhor de sete décadas a moral para estar entre os mais importantes nomes do rock n' roll de todos os tempos. Provar que "sim", se pode fazer o que se gosta por muitos anos sem perder personalidade!. Esse é o Rock.
Duda Calvin (Tequila Baby)
Eu fui ao show deles que teve no Opinião (2000), um show clássico. A melhor frase que li até hoje sobre o Motörhead foi "a banda que conseguiu juntar o metal com o punk rock", e isso é uma coisa muito bacana. Acho que todo grupo de rock que toca com distorção acaba tendo uma influência de Motörhead, pode não ser uma influência direta, como no caso da Tequila Baby, mas tocar daquele jeito, misturar estilos musicais, com solos de metal e a pegada do punk rock. A gente fez isso em algumas músicas da Tequila, em que a gente mistura isso, e acredito que todas as bandas de punk rock e metal daqui do RS têm influências de Motörhead, que mostrou pra todo mundo que dá pra fazer um som bacana com pouco. Por isso, é uma grande influência para todo mundo.
Ivan Santos (Gladiator)
Estive em todos os shows do Motörhead em Porto Alegre. O Lemmy, para mim e para a minha geração de headbangers, representava muito mais que a música, mas sim uma atitude, um estilo, um sentimento. Ele era rocker e se expressava assim. E assim a gente queria ser: roqueiro! No meu caso mais específico, metaleiro!
No primeiro show, no Gigantinho, em 1989, eu e meu amigo de infância compramos os primeiros ingressos – respectivamente o 0001 e o 0002. Quando começaram as vendas na Megaforce, cedinho estávamos lá com medo que esgotassem e acabamos sendo os primeiros a comprar. No dia do show, eu com 15 anos, cheguei no Gigantinho antes do meio-dia. Primeiro da fila! Na hora que abriram os portões não queriam me deixar entrar por ser muito novo no meio de tantos loucos e alucinados. Argumentei, discuti, briguei, chorei e entrei! Fiquei na grade que separava a pista do palco. Inesquecível!
Depois teve o show no Opinião, em 2000. Lá estava eu novamente para ver Lemmy e seu grupo detonar clássicos do verdadeiro rock pesado. Por fim, em 2015, no Monsters Of Rock, já com a saúde debilitada, porém com a força, garra e presença de palco que sempre foram a sua marca registrada.
Sofri muito com a morte de um ídolo! Parece que perdi um amigo. São mais 30 anos de parceria. Toda discografia, muitas reportagens e pôsteres guardados e agora um sentimento de preocupação com a perda de uma referência. Preocupo-me muito com o fim de uma era que cabe a nós dar a continuidade neste legado, pois influenciou uma geração inteira. É neste contexto que me insiro. Se bem que ainda espero que ele ressuscite daqui a três dias. Obrigado por tudo, Lemmy.
A história de Pylla, um icônico rockeiro
Pylla Kroth (Pylla C14, ex-Fuga)
Símbolo do Metal, Lemmy era um cara que entrava e saia em qualquer porta do Rock. Isso fica claro pela quantidade de fãs que, influenciados por ele, se tornaram artistas de sucesso em suas carreiras. Viver 70 anos a milhão como ele viveu é uma benção: valeram 150. Tive a honra de acender seu cigarro no show que fez em Porto Alegre, no Gigantinho.
– Fire, boy? – perguntou pra mim. Alcancei e ele respondeu "thanks".
Isso foi pouco antes da passagem de som. Na hora do show, como havia pouco público, que não passava de três mil pessoas, enfrentei os paredões de som e consegui vazar para trás do palco. Lemmy sobe lentamente fumando um cigarrinho e com o baixo nas costas, deu a última tragada, jogou o toco do cigarro no chão, foi ao microfone e diz “boa noite, Porto Alegre, vamos foder essa porra!".
Essa é a lembrança mais forte que guardo dele.
Para encerrar, usarei aquele clássico diálogo do filme Air Heads (no Brasil, Cabeças de Vento):
- Quem ganharia lutando? Lemmy ou Deus?
- Lemmy... Deus...
- Errado, bobo!
- Pergunta traiçoeira. Lemmy é Deus!