O rock morreu? A discussão que há décadas mobiliza críticos e fãs do sessentão gênero musical ganhou mais fôlego com a notícia do falecimento do líder do Motörhead. Quem não acompanha a trajetória do trio comandado por Lemmy Kilmister desde 1975 pode achar exagero, mas um olhar mais apurado para a história do grupo mostra o contrário.
Criado em meio à ebulição do punk na Inglaterra, o Motörhead abriu seu espaço construindo uma barulhenta ponte entre o heavy metal, que surgiu na virada dos anos 1960 para os 70, e o novo subgênero do rock que nascia. O combustível sonoro que movimentava o motor do grupo adicionava ao peso das primeiras bandas heavy a velocidade e a urgência do punk. A voz rouca de Lemmy e seu contrabaixo distorcido contavam com o apoio da guitarra econômica de "Fast" Eddie Clarke e a bateria acelerada de Phil "Philty Animal" Taylor (falecido em novembro), naquela que é considerada a formação clássica do trio. Suas músicas curtas, agressivas e diretas caíram nas graças do público britânico, especialmente com os álbuns Overkill e Bomber (ambos de 1979) e Ace of Spades (1980) – talvez o melhor registro de toda a carreira do grupo.
Com essa receita musical, o Motörhead influenciou uma nova leva de artistas e preparou os tímpanos do público para a geração seguinte de bandas de metal, nos anos 1980, como Metallica, Slayer, Megadeth e até a brasileira Sepultura, que chegou a gravar um cover de Orgasmatron, faixa do álbum homônimo de 1986. Curiosamente, o Motörhead nunca alcançou o mesmo sucesso comercial de algumas das bandas que inspirou, embora sempre desfrutasse do status de cult no meio do rock pesado – admirado tanto por punks quanto por headbangers. Ao longo de 40 anos, seja como quarteto ou voltando ao formato de trio, o grupo seguiu lançando bons discos, como 1916 (1991), Sacrifice (1995) e o mais recente, Bad Magic (2015).
Pude conferir a banda ao vivo em três ocasiões: duas em estádios e uma no bar Opinião, na Capital, em 2000. Nesta última, em um palco pequeno, percebi como o trio funcionava melhor: cara a cara com o público, sem distrações, sem espaço para nada que não fosse sua música e o carisma de Lemmy. O rock pode não ter morrido junto com o líder do Motörhead, mas certamente ficou mais silencioso.