Ben entra no bar. Ele não está feliz, porque acabara de ser nocauteado e jogado num lixeira. Para piorar, pegaram as chaves da sua moto. O barman resiste em ajudar.
- Sabe o que ficaria bem no seu nariz? - pergunta Ben.
- O que? - responde o barman.
- O bar - diz Ben, colando o narigão do sujeito no balcão pela argola dourada que ostenta.
É com essa delicada cena que Full Throttle abre os trabalhos. Mais do que isso, ela resume o universo que o jogador irá explorar pelas próximas horas. Um universo algo violento, de gente que fala pouco e tem muito a esconder, mas entremeado pelo senso de humor e capricho gráfico que tornaram-se a marca registrida da LucasArts naqueles idos de 1990. Agora, essa joia segue pelo mesmo caminho que Grim Fandango e ganhará remasterização para PlayStation 4, PS Vita e PC em 2016.
Salvo engano, Full Throttle pode ser considerado o ápice da capacidade criativa da extinta empresa de games de George Lucas. Lançado em 1995, o game traz a assinatura do gênio Tim Schafer em uma trama que envolve o assassinato de um magnata das motocicletas por seu sócio, interessado em substituir a construção das choppers por lucrativas (mas caretíssimas) minivans. O bode expiatório é Ben e sua turma, os Polecats. Correndo por fora está Maureen, a filha desaparecida do empresário.
Para impedir que o vilão (dublado com excelência por Mark "Luke Skywalker" Hamill) varra as motocas do mundo, Ben precisa resolver uma série de desafios, a maioria deles puzzles e charadas que testam a capacidade de observação e raciocínio do jogador. A mecânica, fluida e intuitiva, se valia da larga experiência em adventures estilo point and click que a LucasArts desenvolvera ao longo do temo, em títulos que hoje são referência no assunto, como Maniac Mansion (1987), The Secret of Monkey Island (1990) e Sam & Max Hit the Road (1993). Sem contar o fator Tim Schafer, o que significa diálogos inteligentes e bem escritos e as situações absurdas (quem nunca usou coelhinhos de pelúcia para desarmar campos minados?).
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Outro grande trunfo de Full Throttle são os personagens, bem construídos, cheios de personalidade e carismásticos a seu próprio modo. Ben, por exemplo, está longe do arquétipo do herói convencional - é um sujeito rude, resmungão e que resolve tudo na porrada. Mas, mesmo assim (ou talvez por isso), você torcerá por ele e vai fazer de tudo para ajudá-lo e à sua causa.
Mais: diferentemente dos blockbusters de hoje, Full Throttle não consome todo o seu tempo livre em uma campanha do tamanho da Muralha da China. O jogo pode ser terminado em poucos mais de duas horas. Claro que, na época, ninguém conseguia fechar de primeira - até porque, não havia internet e, por isso, não era raro passar semanas tentando desvendar um único puzzle do game.
Por isso, adventures também eram gregários. Me lembro de finais de semana inteiros com meu irmão e um bando de amigos enfurnados no quarto tentando descobrir a maneira correta de derrubar um adversário de sua moto e a vibração de final de campeonato quando conseguimos.
E havia também a trilha sonora. Eu recém estava descobrindo o rock quando a trilha sonora de Full Throttle, a cargo da banda The Gone Jackals, me atropelou. Morando nos cafundós do interior de São Paulo, eu passaria anos perseguindo as faixas presentes no jogo, encontrando apenas versões em baixa qualidade em fóruns e programas de compartilhamento (hoje, estão todas no Spotify em excelente forma :D).
Relembre a abertura, com a paulada Legacy, e tente não ficar arrepiado:
Apesar de ter sido bem recebido e se tornado um clássico cult repleto de viúvas (eu incluso), Full Throttle nunca ganhou continuações, não deixou herdeiros e pode ser considerado também um dos últimos suspiros dos adventures - que na virada do século, só encontram paralelos em sucessores espirituais, como Heavy Rain, Ether One e Everybody's Gone to the Rapture, que têm lá seus méritos, mas não preenchem a lacuna deixada pela LucasArts. Ou talvez seja só eu e você envelhecendo e nos tornando irremediavelmente saudosistas.
Jogatina
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Gustavo Brigatti
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