Cavalgar por horas, armar fogueiras em acampamentos improvisados e encarar tiroteios com bandos inimigos são algumas das tarefas que Rocky & Hudson precisam encarar cotidianamente - e tudo isso sem tirar o esmalte das unhas ou amarrotar a camisa cor-de-rosa. A dupla de caubóis gays, que há quase 30 anos testa os limites do politicamente correto no Velho Oeste e na imprensa brasileira, acaba de ganhar uma reunião com praticamente todas as suas tiras. O livro será lançado neste sábado em Porto Alegre, com sessão de autógrafos do autor, o quadrinista Adão Iturrusgarai, no bar Tutti Giorni (escadaria da Avenida Borges de Medeiros), às 19h. Chega às livrarias brasileiras depois de ganhar edições em inglês, espanhol, francês, alemão e italiano - a edição nacional, no entanto, vem com quase o dobro de material que as internacionais.
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As primeiras histórias de Rocky & Hudson presentes no livro foram publicadas originalmente nas revistas Dum Dum e Mil Perigos, em 1990, 15 anos antes de Hollywood abordar a homoafetividade no cenário western do polêmico filme O Segredo de Brokeback Mountain (2005). A criação da dupla, no entanto, é de 1987, em aventuras publicadas na revista Megazine, que ficaram fora do novo livro.
- Não gosto mais do desenho das primeiras, acho muito tosco. Quem sabe no futuro eu reúna tudo isso em outro livro, mas achei melhor não deixar neste - avalia Adão.
Muito conhecidos por terem circulado nas páginas da Folha de S. Paulo, os personagens foram barrados na primeira vez em que o quadrinista, que já emplacava tiras da ninfomaníaca Aline no jornal, tentou levá-los para lá, em 1993.
- A Folha não topou logo de início, pois era bem aquela época em que o politicamente correto estava vindo à tona. Não pegava bem ter personagens com um nome que faz referência a um ator vítima de aids - conta Adão, por telefone de sua casa na província de Córdoba, na Argentina.
No entanto, sete anos depois, o ambiente já estava mais favorável para a dupla.
- Um dia dei uma de "joão sem braço". Mandei para o jornal uma tira e disse assim "hoje troca Aline por Rocky & Hudson". Quem sabe eles não notam e a tira passa, fiquei torcendo. Passou. Mas é claro que os editores perceberam, só que aquele tipo de humor já não era mais uma questão - lembra o desenhista.
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Além da busca pelo politicamente correto ter arrefecido com o tempo, Adão também avalia que a melhor aceitação dos personagens passa por uma mudança criativa sua:
- Minha cabeça mudou muito. No início, eu fazia um humor muito agressivo, mas hoje meu trabalho tem um tom que os gays gostam, mais alegre. É claro que às vezes há um pentelho ou outro para encher, mas a maioria das críticas que recebo de homossexuais é muito positiva.
Antes mesmo de circularem na Folha, os caubóis ganharam popularidade entre os fãs de quadrinhos com o filme de animação Rocky e Hudson, dirigido por Otto Guerra e lançado em 1994. Feita com poucos recursos, a película narra, em pouco menos de uma hora, a aventura da dupla contra um cientista maluco que cria uma pistola movida por controle remoto, seguida de uma viagem sem rumo ao lado da Beti, a avó punk de Rocky.
- Foi uma loucura fazer esse filme, um processo muito caótico. Éramos muito irresponsáveis. O clima era muito engraçado, eu estava sempre de ressaca, escrevendo o roteiro um dia antes, na cozinha do estúdio. O resultado ficou muito trash, mas foi ficando cult com o tempo - diz Adão.
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Na sessão de autógrafos de deste sábado, haverá sorteio de alguns acetatos originais do filme.
- Quero entrar nesse sorteio, pois também não tenho esse material! - afirma a quadrinista.
Natural de Cachoeira do Sul, Adão começou sua carreira em 1984, trabalhando em Porto Alegre, na França e em São Paulo, antes de se estabelecer no pacato interior da Argentina. De lá para cá, ele avalia que muita coisa mudou, mas não ficou mais fácil fazer humor, principalmente com a polarização política crescente nas redes sociais:
- Se você não é coxinha, é enquadrado como esquerdista. Na Argentina, é pior ainda, pois, se você não é kirchnerista, é tratado como um desses caras da direita pesada, que também é forte por aqui. Enche o saco você não poder ter opinião própria. Sou um artista independente em termos políticos.
Rocky & Hudson. De Adão Iturrusgarai Quadrinhos, Zarabatana Books, 120 páginas, R$ 64. Sessão de autógrafos neste sábado, às 19h, no Tutti Giorni (escadaria da Avenida Borges de Medeiros). Cotação: 4 de 5 estrelas