Se há dois compositores de música de concerto que não morrem nunca são Wagner e Stravinsky. Um deixou o mundo em 1883, depois de uma crise de ciúme familiar. O outro, doente e bem sucedido, se foi em 1971. Wagner compôs óperas longuíssimas que alguns assistem como se fossem culto esotérico. Stravinsky fez de tudo - óperas, balés, concertos, sonatas, um arranjo do Parabéns a Você e outro do hino nacional norte-americano que o colocou na cadeia.
Não deve ser coincidência que os dois foram os primeiros a cuidar do marketing pessoal sem cansar nunca, fazendo com que suas personalidades fossem maiores do que a vida e garantindo que a música fosse conservada como tinha sido pensada, Wagner construiu um teatro só para a suas óperas, um teatro que D. Pedro II queria que fosse no Brasil, mas que foi erguido lá mesmo na Baviera.
Stravinsky, pai do modernismo, foi construindo sua biografia com a ajuda do americano Robert Craft, que registrou para a posteridade as palavras do mestre e, que quando faltaram palavras, as inventou assim mesmo como se fossem autênticas. Aliás, Craft se foi há poucos dias e, com ele, se foi a última testemunha do processo criativo de Stravinsky, suas manias, seus prontuários médicos.
Stravinsky fez ainda mais: cuidou de gravar ele mesmo as suas obras, fornecendo a régua para interpretações futuras, protegendo-as de estapafúrdios inevitáveis.
E por que esse tema agora? É que a obra toda de Stravinsky acaba de ser relançada em CD. Como mídia, os CDs estão superados; mas não como objeto de desejo. Os CDs reúnem as próprias leituras de Stravinsky para sua música, desde as gravações mais rudimentares até as de tecnologia mais avançada, com reproduções minúsculas das capas originais. São 56 (!) CDs numa caixa de dimensões wagnerianas, com um estudo teórico inédito de Richard Taruskin, musicólogo nova iorquino que, além de apaixonado pela doçaria brasileira, contextualiza Stravinsky como ninguém. O Natal se aproxima, a crise se aprofunda, mas fica a dica: Stravinsky em 56 CDs.