Maravilhosamente interpretada por Maggie Smith na série Downton Abbey, a Condessa Violet Crawley exclama durante uma discussão com gente muito mais jovem e muito mais moderna: "Um nobre gostar de reformas é como um peru gostar de Natal". Vou aproveitar essa tirada de uma das melhores personagens já criadas na história da televisão mundial para refletir sobre o embate entre os pensamentos "conservador" e "progressista", construindo uma improvável ponte entre o interior da Inglaterra na década de 1920 e a Porto Alegre de 2015.
A condessa Crawley opõe-se ferozmente a uma reforma no pequeno hospital local que a sua família ajuda a sustentar há décadas. A modernidade prega que ele seja absorvido por uma rede hospitalar regional, com muito mais recursos. Em compensação, o hospital perderá sua autonomia administrativa. Todo mundo (inclusive ela própria) acha que a sua teimosia é provocada pelo medo de perder poder. Aparentemente, é muito melhor para quem está doente que o hospital seja modernizado e nacionalizado. No entanto, o que sabemos, hoje, sobre redes de saúde excessivamente centralizadoras? Que levam a um aumento de custos e à famosa ambulancioterapia. Vale mais a pena investir em pequenos (desde que eficientes) postos de saúde municipais, que tratam grande parte das doenças perto da residência do paciente. Isso para não falar dos médicos de família, que podem lidar com 90% dos casos na própria residência.
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Resumindo: nem sempre reformas modernizantes preparam um futuro melhor. As pessoas que fazem oposição ao projeto que pretende construir espigões, shopping center e estacionamento no nosso cais são acusadas de serem atrasadas e terem uma visão de mundo ultrapassada. Elas são acusadas de serem da turma da Condessa Crawley. Pois bem, assumo essa turma. Nessa questão, sou um conservador (ou melhor: um conservacionista). Se pudesse, tomaria um chá com a Condessa e falaríamos mal desses progressistas bem-intencionados, mas que não conseguem perceber que caminham de marcha a ré. O único progresso que serve - para mim, para a Condessa Crawley e para você, caro leitor - é o que respeita a natureza, promove a cidadania e não privatiza o pôr do sol.