Depois de dedicar um mestrado, um doutorado e dois pós-doutorados a uma pesquisa de dimensão sem precedentes sobre a história da dramaturgia no Rio Grande do Sul, Antenor Fischer ficou frustrado: julgou modesta a repercussão do lançamento, em novembro de 2014, de seu Dicionário de Autores da Literatura Dramática do Rio Grande do Sul, que compila verbetes sobre autores do século 19 ao presente. Bancado do próprio bolso e publicado por um selo - FischerPress - que ele mesmo criou, o livro precisou de tempo para ser reconhecido como obra de referência.
"Gostaria que houvesse interesse maior pelo tema", diz Antenor Fischer
- O evento de lançamento passou praticamente despercebido do grande público. Mais de cem autores teatrais contemplados com verbetes na obra foram convidados para o coquetel e para a sessão de autógrafos. Mais de 50 confirmaram presença. Apenas 10 compareceram - lembra Fischer (leia a entrevista completa).
Em janeiro, no entanto, a obra ganhou as páginas da imprensa, incluindo uma reportagem no 2º Caderno, o que fez o pesquisador repensar o destino do trabalho. Na ocasião, declarou que cogitava publicar um novo livro reunindo os ensaios introdutórios dos oito volumes de uma antologia de peças do século 19 produzida em âmbito de pós-doutorado. Terminou fazendo bem mais: acaba de lançar os oito volumes integralmente, acrescentando ao final um nono, este sim reunindo os estudos introdutórios. Tudo bancado com o próprio bolso. Foram impressos apenas 25 pacotes da Antologia da Literatura Dramática do Rio Grande do Sul (Século XIX), distribuídos para pesquisadores e bibliotecas. Mas Fischer enviará uma versão digital gratuitamente para quem solicitar pelo e-mail fischerpress@gmail.com.
Fábio Prikladnicki: a reinvenção da crítica teatral
A Antologia compila peças de autores do século 19 hoje esquecidos, em um panorama que descortina aspectos da sociedade gaúcha da época. Um volume evidencia como o teatro foi veículo de ideias abolicionistas. Outro aborda o drama de autoria feminina. E assim se completam os tópicos: os primeiros autores, a desonra como tema, o embate entre a Igreja e a maçonaria, a questão do divórcio em cena, as peças que defendiam o ideal republicano e a presença da comédia. O lançamento marca o fim de uma verdadeira saga que superou o desinteresse de editoras e o silêncio de professores de teatro e de literatura sobre a pesquisa. Agora, Antenor espera despertar a curiosidade de novos pesquisadores e, por que não, ver as peças nos palcos.
ALGUNS DRAMATURGOS REDESCOBERTOS, SEGUNDO ANTENOR FISCHER
Arthur (Rodrigues da) Rocha (1859 - 1888)
"Foi um dos fundadores do Partenon Literário e único negro ou mulato a escrever peças teatrais no século 19 no Rio Grande do Sul. Apesar de ter morrido com apenas 29 anos, produziu 11 peças, sendo que cinco delas estiveram entre as mais representadas nos palcos gaúchos dos Oitocentos. Não é à toa que este autor teve quatro textos resgatados na Antologia. Suas melhores peças talvez sejam o drama Deus e a Natureza (1882), em que faz uma crítica ao jesuitismo, e a comédia Por Causa de uma Camélia ou Marido por Meia Hora (1876), que pode ser classificada como comédia de acontecimento ou de intriga e como comédia de caracteres, já que o cômico resulta simultaneamente da situação da peça e do temperamento dos personagens."
Anna Aurora do Amaral Lisboa (1860 - 1951)
"Apesar de ter dedicado sua longa vida (morreu com 91 anos) ao magistério, foi também jornalista, poeta, teatróloga e propagandista da abolição. Foi uma das cinco mulheres a escrever peças teatrais no século 19 e, entre nossos dramaturgos daquela centúria, a única que pode ser enquadrada no Naturalismo. Três de suas peças foram recuperadas no volume VII, dedicado à mulher como autora, entre elas A Culpa dos Pais e As Vítimas do Jogo, ambas de 1896. Na primeira destas peças, as críticas de Anna Aurora se voltam, essencialmente, à hipocrisia social - especialmente do sexo masculino, que faz de tudo para levar as moças de família a darem o mau passo e depois concorda com a exclusão das mesmas do convívio social."
Damasceno Vieira (1850 - 1910)
"Escreveu 13 peças, das quais duas se encontram na Antologia. Transitava com desenvoltura por quase todos os gêneros literários e dramáticos. Além de ter sido um dos principais poetas gaúchos do século 19, uma de suas peças está entre as de maior sucesso nos palcos locais: Arnaldo (1886). Nela, entre outros temas, promove uma discussão sobre o divórcio, questão que então começava a ser debatida, ao lado do tema da emancipação da mulher. João Damasceno Vieira foi o único dramaturgo nascido no Rio Grande do Sul a nos legar uma peça nativista: o excelente drama
Os Gaúchos (1891). Outra peça que se encontra na Antologia é a comédia Por um Retrato (1874), paródia do Sganarello, de Molière, autor que, ao lado de Martins Pena, fez escola entre os dramaturgos gaúchos no século 19."
Joaquim Alves Torres (1853 - 1910)
"Foi um dos dramaturgos mais profícuos do século 19 e, talvez, de todos os tempos: escreveu nada menos do que 28 peças. Era membro da Maçonaria. Como integrante do Partenon Literário, participou ativamente de todas as grandes causas com que a sociedade gaúcha do século 19 se debatia. No início do século 20, foi um dos primeiros a escrever uma peça com temática socialista. Foi um dos principais defensores dos direitos da mulher à instrução e à emancipação. Três de seus textos foram resgatados na Antologia: os dramas Frutos da Opulência (1883) e O Marido de Ângela (1884) e a comédia Impalpáveis (1886). A melhor delas, possivelmente, é a primeira, em que discute a questão do divórcio."
ANTOLOGIA DA LITERATURA DRAMÁTICA DO RIO GRANDE DO SUL (SÉCULO XIX)
FischerPress, nove volumes
A versão digital pode ser solicitada gratuitamente pelo e-mail fischerpress@gmail.com
Memória do teatro
Antenor Fischer resgata dramaturgos gaúchos em antologia de nove volumes
Autores teatrais do século 19 revelam, em suas peças, aspectos da história e da sociedade da época
Fábio Prikladnicki
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