A capa avisa: Lisbeth está de volta! Depois de 80 milhões de livros vendidos, Millennium chega ao quarto volume, A Garota na Teia de Aranha. Entretenimento vertiginoso, de tirar o fôlego. Stieg Larsson, fulminado por ataque cardíaco letal, não testemunhou o lançamento de sua trilogia. O novo autor, David Lagercrantz, acertou na mosca. Num mundo contaminado por discursos politicamente corretos, e para lá de intolerantes, Lisbeth Salander, hacker cheia de piercings e tatuagens, é uma bênção.
Luciano Alabarse: a favor do que é certo
Por usar a técnica do "blackface" - atores brancos pintados de preto, tradição cuja origem remonta à commedia dellarte -, A Mulher do Trem, montagem resgatada da história circense brasileira pelo grupo Os Fofos Encenam, foi acusada de racista. Alguns ativistas fizeram um barulho dos diabos. Para acalmar a galera militante, cada personagem tem agora o rosto pintado com uma cor diferente: azul, verde, laranja. Acusação equivocada como essa parecer correta é uma derrota da inteligência.
Toda luta política está baseada na queda de braço entre o que acolhemos e o que rejeitamos. Mas o engajamento na luta por grupos sociais vulneráveis (negros, gays e mulheres, entre outros), nobre e necessário, não deveria dar espaço hegemônico só aos diretamente atingidos. Dar voz aos excluídos, e outros atos de justiça e equilíbrio, não pode somente trocar seis por meia dúzia, levar ao segregacionismo intolerante. Minorias preconceituosas são exatamente iguais às maiorias preconceituosas. Mais lenha, mesma fogueira.
Segundo o filósofo Vladimir Safatle, política, para além da questão central da distribuição de bens e riquezas, é também o espaço afetivo de nossa identidade, o que espelha aquilo que somos e o que não somos. Ser sujeito, em política, implica enunciar proposições referentes a "todo mundo" ou "qualquer um". O desafio real é que sejamos capazes de nos colocar na posição de "qualquer um". Isso sim marcará vitórias sobre racismo, preconceitos e gêneros discriminados.