Um jornal se faz a partir da história das pessoas. E, ao debruçar-se sobre as primeiras histórias contadas pelo 2º Caderno em sua primeira semana de existência, algumas personagens se destacam. Cinquenta anos depois, Arlete (a gauchinha nota 10 em fotogenia) e Sandra (a mais escritora das misses) reencontram as páginas do suplemento e contam o que fizeram com o tempo que passou.
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Grossos álbuns de recortes guardam, com capricho de calígrafo, as lembranças de um dos anos mais especiais da vida de Arlete Guichard. Neles, ela se vê – os olhos alegres agora precisados de lentes para hipermetropia – na passarela, em suntuosos vestidos de gala, saindo de dentro de uma grande câmera cenográfica. Vê-se na capa da Revista Cruzeiro, na companhia de Elis Regina, cortando fitas em inauguração, apertando infinitas mãos. E é em um desses álbuns que uma página recortada do 2º Caderno mostra a garota de 17 anos, resplandecente no que se costumava chamar de vestido soirée: "Arlete Guichard, gauchinha que representou os Repórteres Fotográficos do Rio Grande do Sul, foi a segunda colocada entre as representantes dos Estados, trazendo para os pampas o título de vice".
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Arlete era exemplo de fotogenia desde criança. Sua primeira foto foi tirada aos dois anos de idade por Sioma Breitman, reconhecido fotógrafo da Capital. Mas a consagração como modelo veio com o Miss Objetiva, concurso de fotogenia organizado pelas Associações dos Repórteres Fotográficos dos Estados brasileiros:
– Naquela época, eu saía na Zero Hora praticamente todos os dias – conta.
Ela lembra em detalhes como aconteceu: no Colégio Nossa Senhora da Glória, onde estudava, foi selecionada como a secundarista que representaria a instituição no "Miss O" de Porto Alegre. No baile, conheceu Agamenon, namorado que a acompanhou na conquista do concurso, virou marido e nunca mais lhe deixou.
– Em vez de dançar com alguém, ele só me olhava... – lembra, risonha.
Não venceu a etapa brasileira por conta da pouca idade (não tinha os 18 completos). Foi convidada novamente para disputar o concurso com garantia de sair vencedora, mas recusou. O trabalho como manequim não prosseguiu por muitos anos – o marido a convenceu a deixá-lo –, e Arlete, depois de formar-se em Pedagogia, aposentou-se como professora de séries iniciais. Agora, dedica-se aos quatro filhos e aos seis netos (a última delas, Giovanna, nasceu no dia em que combinamos nossa entrevista) e a ser catequista na Igreja Santo Antônio, onde faz parte do grupo de casais. Continua vaidosa, apesar de modesta, e indubitavelmente fotogênica. Tanto que, ao ouvir o fotógrafo pedir-lhe um "sorriso de miss", 50 anos depois, ela ainda sabe exatamente o que fazer.
Ruiva de raiva
– Porto Alegre ainda era uma cidade completamente tranquila, segura, nós tínhamos uma vida social muito boa, as pessoas sempre se encontravam, quase todo mundo se conhecia. Foi uma época ótima – é o que diz, sobre 1965, Sandra Hervé Chaves Barcellos, "notícia certa nas colunas sociais", como descrita em capa do então chamado Caderno 2 sobre "as boas novas da sociedade".
Sorridente, descreve o sucesso que atingiu na cena social ao fato de ser "metida". Afeita às letras, Sandra foi inclusive titular de uma coluna em ZH, a Blow Up, sobre literatura.
Mas, antes de debruçar-se em definitivo sobre os livros, ela causou frisson no maior concurso de beleza do Brasil. Foi Miss Porto Alegre (algo que começou como brincadeira entre ela e a amiga Gilda Marinho, jornalista e colunista social), Miss Rio Grande do Sul e, depois, foi em busca do Miss Brasil. Mas desfilou desesperançosa:
– Fui ao Rio de Janeiro e, dois dias antes, soube por amigos jornalistas que a Miss Brasil seria Terezinha Morango, por motivos que não vou contar, e que o segundo lugar ficaria com a Maria Doroteia Antunes, Miss Minas Gerais, pois o presidente na época era Juscelino Kubitschek, e que eu teria que me contentar com o terceiro lugar.
O que se seguiu, em tempos em que as medidas das misses eram tiradas com rigidez espartana, foi considerado um escândalo:
– Fiquei triste, chateada, faltou chão. Fui para um cabeleireiro e pintei meu cabelo de vermelho, três dias antes do desfile. Quando apareci, foi mortal. Lembro de três moças do concurso, dentro do chuveiro comigo, esfregando a minha cabeça, para eu poder voltar ao normal. Voltou médio. Fui para a passarela e, realmente, tirei o terceiro lugar.
Depois disso, a moça do cabelo (não mais tão) vermelho casou, teve filhos, morou em São Paulo, voltou a Porto Alegre e ficou, como descreve, cada vez mais afeita aos afazeres domésticos. Os cabelos continuam tão impecáveis quanto nos penteados de época, agora tingidos em um dourado tom de louro. Agora se dedica exclusivamente a cuidar da casa e ao trabalho voluntário em uma ONG que auxilia dependentes químicos. Encontra conforto na rotina doméstica em que começa o jornal pelo 2º Caderno, cuida de duas gatas e uma cachorra, e se mostra pouco nostálgica com o passado:
– Minha trajetória social foi tranquila: foi, foi, foi, foi... depois parou.