O grupo Signatores propõe uma inversão de papéis: o espetáculo Alice no País das Maravilhas é apresentado para surdos, com acessibilidade aos ouvintes. Essa perspectiva incomum é uma das marcas da companhia que estreia sua nova peça hoje, às 20h, no Teatro do Centro Histórico-Cultural Santa Casa.
– É a nossa brincadeira. Damos um ponto de vista diferente, pois é necessário alterar essa lógica. Mas claro que temos como foco quem queira ver teatro, é para todo mundo – explica a diretora Adriana Somacal.
Criado há cinco anos, o grupo nasceu para aproximar os surdos do teatro e investigar as possibilidades de criação artística nessa área. Por isso, o elenco que levará a adaptação da obra de Lewis Carroll ao palco convive com a surdez. A história da menina que se aventura em um mundo fantástico é apresentada totalmente em Língua Brasileira de Sinais (Libras) – em cena, não faltarão personagens clássicos como o Coelho Branco e o Chapeleiro. No cenário assinado pelo artista Álvaro Vilaverde, os destaques são asgrandes dobraduras de papel que se transformam conforme a trama avança. Longe do palco, dois narradores fazem a interpretação para os ouvintes.
– As falas e narrações estão ligadas às cenas, mas não temos a preocupação em dublar. Também não é um silêncio completo, pois apostamos na trilha sonora original – avisa Adriana.
Outra aposta da companhia também confronta os padrões já estabelecidos. A atriz que interpreta Alice não tem cabelos loiros ou olhos azuis. Negra, Brenda Artigas não foi escolhida para o papel apenas pelo talento, conta a diretora:
– É uma questão de espaço e visibilidade, assim como a surdez. O negro passa por algo parecido. A ideia é mostrar uma Alice mais brasileira, trazendo a negra como protagonista.
Quarto espetáculo do grupo, Alice no País das Maravilhas representa uma virada na temática explorada pela companhia até agora. Antes, as montagens sempre abordavam o surdo em primeiro plano – o enredo trazia protagonistas que conviviam com essa condição na trama. Desta vez, a peça não evoca a surdez: é apenas uma história contada em Libras.
– O foco da vida do surdo não precisa ser a surdez, não podemos reduzir o universo. Nosso enfoque não é a ausência, mas, sim, o potencial deles, pois queremos fazer teatro de qualidade – afirma a diretora.
ALICE NO PAÍS DAS MARAVILHAS
De hoje a domingo, às 20h. Teatro do Centro Histórico-Cultural Santa Casa (Independência, 75).
Classificação etária: livre. Duração: 60 minutos.
Entrada franca (retirada de senhas uma hora antes do espetáculo).
Acessibilidade em expansão
O teatro acessível tem ganhado cada vez mais espaço no cenário brasileiro. Em julho, por exemplo, passou pela na Capital a peça É Proibido Miar, da MA Companhia. Os atores incorporaram a acessibilidade à dramaturgia, semelhante à proposta de Alice no País das Maravilhas. Para Adriana Somacal, diretora do Signatores, essa expansão é resultado de décadas de lutas:
– É uma consequência do movimento de surdos e outros grupos. Há uma cobrança. Além disso, alguns editais já obrigam essas adaptações.
Temporadas com algumas sessões adaptadas também são mais frequentes nos últimos anos. Isso ocorreu em peças como Inimigos de Classe, de Luciano Alabarse, e no clássico Tangos & Tragédias.