Tão logo a Nasa anunciou a existência de água salgada no Planeta Vermelho, Ridley Scott levantou a plaquinha: "Eu já sabia". Verdade ou oportunismo do diretor britânico, é fato que seu filme Perdido em Marte ganha, com a revelação, uma enorme propulsão no marketing. Soubesse disso, o astronauta vivido por Matt Damon na ficção científica que tem estreia mundial nesta semana - quinta-feira no Brasil - não passaria pelo aperto que encara ao se ver isolado em Marte após ser deixado para trás pelos companheiros de missão espacial - drama que Scott encena com a competência técnica característica e boas doses de tensão.
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Perdido em Marte adapta o livro homônimo lançado em 2011 por Andy Weir, que acaba de ganhar nova edição no Brasil. Durante a produção do filme, Scott e o roteirista Drew Goddard contaram com suporte científico da Nasa, a Agência Espacial Americana. Essa proximidade, como Scott disse ao jornal The New York Times, fez com que ele tivesse, há cerca de dois meses, acesso às fotografias reveladas na segunda passada. O diretor ainda brincou dizendo que, se o filme não estivesse pronto, poderia ser "fascinante" incluir a descoberta na trama, apesar da reviravolta no roteiro. Isso porque um dos primeiros expedientes do astronauta Mark Watney, personagem de Damon, para sobreviver em Marte é justamente criar uma engenhoca para produzir água por meio de vaporização.
Autor de dois referenciais clássicos da ficção científica - Alien, o Oitavo Passageiro (1979) e Blade Runner, o Caçador de Androides (1982) -, Scott por vezes parece que vai fazer de Perdido em Marte outro filme memorável do gênero. Mas, assim como ele próprio em Prometheus (2012), e também colegas como Alfonso Cuarón em Gravidade (2013) e Christopher Nolan em Interestelar (2014), seu foco está no mercado global, nas plateias que não parecem mais tão receptivas, como as de décadas atrás, a filmes de ficção científica que prospectem reflexões mais elaboradas acerca dos mistérios do universo e das inquietações existenciais do homem diante do contato com o que não pode explicar à luz da razão, da fé e do conhecimento.
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A trama de Perdido em Marte transcorre entre o incidente que faz Watney ser considerado morto quando a missão da qual faz parte é abortada e seus parceiros deixam o planeta às pressas, o uso do conhecimento que ele, cientista botânico, faz para sobreviver no local inóspito, e a operação em Terra que articula o improvável resgate. Com didatismo por vezes exagerado, tanto nas divagações e procedimentos do náufrago espacial quanto nos seus pormenores tecnológicos, o espectador é reiteradamente informado de cada etapa da via-crúcis do astronauta e da luta contra o relógio para trazê-lo de volta em segurança.
Em termos de entretenimento, porém, Scott e Damon, em desempenhos que devem levar Perdido em Marte a figurar com destaque no Oscar 2016, entregam um filme bem acima da média recente do gênero, como os títulos citados acima. O elenco conta ainda com Jessica Chastain -que assim, como Damon, marcou presença em Interestelar -, no papel de comandante da missão a Marte, Jeff Daniels, encarnando o diretor da Nasa, além de, entre outros, Sean Bean e Chiwetel Ejiofor.
Sobre um tema de certo modo parecido, mas menos espetaculoso e mais introspectivo, o também cineasta britânico Duncan Jones fez sua estreia em longa-metragem com o muito elogiado e pouco visto Lunar (2009), sobre a fragmentação psicológica de um astronauta isolado em base na Lua. Jones, aliás, em um conexão que vem a calhar neste momento, é filho de David Bowie, que, lá em 1971, questionava em uma de suas mais belas canções: Life on Mars? -Bowie que está presente na trilha sonora de Perdido em Marte com Starman, faixa de 1972.
Perdido em Marte
De Ridley Scott
Ficção científica, EUA, 2015, 141min. Estreia no circuito nesta quinta-feira, com cópias convencionais e 3D
Cotação: 3/5