Meredith Monk é uma artista de outro tempo. Não do passado, mas de um tempo alternativo ao predominante hoje, em que você tem poucos segundos para impressionar o interlocutor sob pena de perder sua atenção. Comemorando 50 anos de carreira, completados em 2014, Monk abriu espaço para uma audição profunda em frente a um Theatro São Pedro lotado na noite desta quinta-feira (3/9), na abertura do 22º Porto Alegre Em Cena.
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Foi uma deferência e tanto: a cantora, compositora e multiartista nova-iorquina veio ao Brasil especialmente para participar do festival com o show The Soul's Messenger. Interpretando composições pinçadas de toda a trajetória, Monk hipnotizou a plateia, acompanhada de seu Vocal Ensemble, com uma técnica vocal singular, evocando atmosferas sonoras ancestrais que surpreendentemente ecoam no presente. Um chamado à natureza e à terra em plena era de nanotecnologia.
Sempre sorridente, ela subiu ao palco sozinha: primeiro, para uma sequência a capela, incluindo um número com harpa de boca, instrumento de som metálico ao qual foi apresentada no final dos anos 1960. Depois, acompanhou-se ao piano em números como Gotham Lullaby, presente em um de seus discos mais conhecidos, Dolmen Music (1980), de onde também saiu a curta e animada The Tale. Esta pequena gigante mulher atingiu ares épicos com Madwoman's Vision, do filme/disco Book of Days (1985 _ 90), alternando impressionantes agudos, sons guturais e suspiros. A obra traçava um paralelo entre a Idade Média e o tempo presente no que têm de pior: guerras e medo da aniquilação.
Se você perdeu o show, assista a uma apresentação de Meredith Monk em Munique, em 2012, na íntegra:
Choosing Companions, da ópera ATLAS (1991), marcou a primeira participação das cantoras Katie Geissinger e Allison Sniffin, recitando textos em esforçado português. Ambas demonstraram sensibilidade e técnica, compondo um conjunto notável com Monk, o que ficou comprovado em Panda Chant I. Completou o Vocal Ensemble o músico Bohdan Hilash, tocando diferentes instrumentos de sopro de madeira, em uma participação mais discreta.
Generosa, Monk informava os títulos das canções ao público porto-alegrense sempre em português, às vezes brincando com sua dificuldade em pronunciar algumas palavras, como foi o caso do "ão" de Canção da Memória (Memory Song, da performance The Games, de 1983). Seguiu, até o fim, o mesmo ritual: entre uma faixa e outra, agachava-se para bebericar um copo de água.
Embasbacado, o público pediu - e levou - dois bis. Antes do segundo, Monk avisou: "Esta música é difícil. Para nós". E se juntou a Katie para o inacreditável dueto Hocket, uma brincadeira polifônica em que ambas alternam breves notas, construindo a melodia de forma compartilhada, uma técnica que tem origem nos motetos, forma musical dos séculos 13 e 14.
Enfrentando corajosamente um tempo de músicas produzidas em série, embaladas e vendidas para consumo imediato, Meredith Monk presenteou o público com uma noite que não terá outra igual. Ou melhor, terá: logo mais, na segunda sessão do show, na noite desta sexta-feira (4/9) também com ingressos esgotados.
50 anos de carreira
Opinião: Meredith Monk conduziu o público de Porto Alegre para outro tempo em show memorável
Cantora e compositora americana abriu o 22º Porto Alegre Em Cena na noite desta quinta-feira
Fábio Prikladnicki
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