Emocionante, irreverente e nostálgica. Assim foi a noite deste sábado no Centro Histórico-Cultural Santa Casa, com Nei Lisboa abrindo o coração e o baú de sua trajetória artística, no primeiro evento que comemora os 50 anos do 2º Caderno.
Com casa cheia e com o colunista Roger Lerina como interlocutor, Nei começou relembrando o início da carreira, quando participava de rodas de violão do diretório acadêmico da UFRGS durante a década de 1970. Na época, apresentava os espetáculos Lado a Lado e Deu Pra ti Anos 70, e que serviram de prévia para seu disco de estreia, Pra Viajar no Cosmos Não Precisa Gasolina (1983).
- Foi uma produção independente, mas a prensagem de três mil cópias esgotou completamente - lembrou Nei, depois de dedilhar a canção que dá nome ao disco.
Veja trecho da conversa de Nei Lisboa com Roger Lerina:
Bem-humorado, lembrou que do seu disco seguinte, Noves Fora (1984), a canção Verdes Anos fala da época em que pulava o muro do Grêmio Náutico União para participar de festinhas ("Dançar nos fez pular um muro", diz a letra) e foi escolhida ao acaso para participar do filme homônimo de Carlos Gerbase e Giba Assis Brasil - apenas uma leve alteração precisou ser feita: saiu a palavra "treze" para entrar a palavra "verdes" no título e na letra.
- Eu já tinha ela pronta quando me pediram uma música para o filme - contou. - Ela tem tanto a ver com o filme que, se eu tivesse que fazer uma do zero, não teria dado tão certo.
De Carecas da Jamaica, disco de 1987, Nei tirou Verão em Calcultá (canção que Nei já havia explicado no projeto Ao Pé da Letra). O trabalho, que lhe rendeu o Prêmio Sharp de revelação na categoria pop/rock, é considerado pelo seu autor uma crônica do país em fase de redemocratização:
- Carecas... é um retrato do Brasil do Sarney, de plano Cruzado, plano Verão...
Seu último trabalho dos anos 1980, Hein?! (1988), contém um dos grandes hits, Telhados de Paris, cuja inspiração não poderia ser menos cotidiana.
- Eu morava em um apartamentinho no Menino Deus que me parecia tão romântico quanto Paris - começa a explicar, arrancando risos da plateia. - E da janela, eu via um casario com telhas francesas, então eram os telhados de Paris.
Algumas revelações, no entanto, são bem menos simpáticas: E a Revolução, do disco Cena Beatnik (2001), foi inspirado no irmão morto pela ditadura militar.
- Ele foi um dos primeiros presos políticos desaparecidos a ter o corpo identificado - explicou Nei, antes de cantarolar os contundentes versos "Foi um rebuliço lá em casa / Manifestos, passeatas / Festivais de minissaias / Meu irmão limpando a arma / Meu irmão / E a revolução?".
Antes de abrir para as perguntas da plateia, sacou A Vida Inteira, do disco homônimo de 2013.
- É um trabalho que questiona o quanto essas novas relações virtuais te abrem um mundo colorido ao mesmo tempo que te afastam do mundo real - completou.
Vem mais por aí
O próximo evento em comemoração aos 50 anos do 2º Caderno será o Clube de Leitura ZH, no dia 28, às 19h30min, na Livraria Cultura do Shopping Bourbon Country. O livro escolhido foi A Morte do Pai, primeiro volume da série autobiográfica do norueguês Karl Ove Knausgaard, um dos escritores mais celebrados da literatura contemporânea.
O bate-papo terá a participação do professor e escritor Diego Grando e de um trio de ZH: a editora e colunista Cláudia Laitano, o repórter de literatura Alexandre Lucchese e o editor Carlos André Moreira, autor do blog Mundo Livro. As inscrições começam na próxima terça-feira.