Em nosso ofício de jornalistas culturais, entrevistamos artistas quase diariamente. Músicos, cineastas, escritores, diretores e atores de teatro, performers, entre muitos outros. Uma das perguntas que mais gosto de fazer é sobre o papel social do artista. Ele(a) deve se posicionar publicamente sobre assuntos de ordem política ou econômica que não sejam necessariamente relacionados a sua obra? Por trás dessa curiosidade, está minha convicção de que sim: se o artista assim desejar, tem muito a contribuir para nossos debates do dia a dia. Isso porque é da natureza de seu trabalho a capacidade de criar formas diferentes de ver o mundo que podem nos surpreender - nós, os espectadores, leitores, ouvintes. Dos artistas esperamos reflexões - não necessariamente soluções - que seriam improváveis nos discursos vetustos das autoridades públicas. É por isso que eles são cada vez mais necessários em um país (um mundo?) em crise.
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Mas há o contraponto. Em meio à polarização radical que tem norteado o debate político no Brasil desde a última campanha presidencial, amplificada pela conveniência das redes sociais, temos visto artistas de grande repercussão reproduzirem a pobreza espiritual dos mais exaltados de parte a parte. E aí chegamos à constatação de que não são apenas os políticos que, em nível nacional ou regional, têm demonstrado surpreendente incapacidade de responder aos problemas mais urgentes da atualidade. Também alguns artistas seguem o mesmo rumo.Em manifestação durante show no Brazilian Day, em Nova York, o cantor Fábio Júnior regeu um coro de fãs que gritava: "Ei, Dilma, vai tomar no c...". E ficou por isso mesmo. Indignação é fundamental, mas precisamos muito mais do que isso. Alguém viu um projeto de país por aí?
É preciso observar além do preto e branco, como propõe o diretor Roberto Alvim na peça Caesar, em cartaz até quinta-feira (10/9) no 22º Porto Alegre Em Cena. Nesta releitura de Júlio César, de Shakespeare, dois atores (Caco Ciocler e Carmo Dalla Vecchia) interpretam diferentes personagens de uma trama política ambientada na Roma antiga, mas que diz muito sobre o Brasil atual. Isso porque o debate não se resume às metades da laranja.
Coluna
Fábio Prikladnicki: as metades da laranja
O colunista escreve quinzenalmente no 2º Caderno
Fábio Prikladnicki
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