Viola Davis deu visibilidade a uma questão que cerca o mercado televisivo desde sempre: a falta de oportunidade para mulheres negras. Em um discurso emocionante, na noite do último domingo, após se tornar a primeira negra a ganhar o Emmy de melhor atriz em série dramática em 67 anos, Viola citou a ativista negra Harriet Tubman (1822 - 1913), conhecida como Black Mose, para dizer o que precisava ser dito:
- "Em meus sonhos e visões, eu via uma linha, e do outro lado da linha estavam campos verdes e floridos e lindas e belas mulheres brancas, que estendiam os braços para mim ao longo da linha, mas eu não poderia alcançá-las". Deixem-me dizer uma coisa: a única coisa que separa as mulheres negras qualquer outra pessoa é oportunidade. Você não pode ganhar um Emmy por papéis que simplesmente não existem.
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O mundo ouviu e aplaudiu as palavras da atriz, premiada por sua interpretação como a professora e advogada Annalise Keating da série How To Get Away With Murder (HTGAWM) - cuja segunda temporada estreia nesta quinta-feira nos EUA. Relatório do Mashable, site de tecnologia e entretenimento, aponta que o discurso de Viola foi mais comentado no Facebook do que o principal prêmio do Emmy - de melhor série dramática para Game of Thrones. Muito além dos elogios, agora o problema está posto para ser discutido.
- Este não é o primeiro prêmio recebido por Viola. Ainda este ano, recebeu o SAG Awards pelo mesmo papel, e seu discurso foi tão impactante quanto o do Emmy. Vitórias como a de Viola sem dúvida representam um marco na história da indústria televisiva dos EUA, não apenas para as atrizes negras, mas para toda e qualquer minoria que ainda não é justamente representada, especialmente no primetime (horário nobre) da TV aberta americana - afirma Sheron Neves, professora da ESPM e da Unisinos, especializada em storytelling e transmídia.
Quais são as atrizes negras protagonistas de séries americanas atualmente? Além de Viola, há Kerry Washington (Scandal), Nicole Beharie (Sleep Hollow) e Taraji P. Henson (Empire) - que disputou o Emmy com Viola. Ainda é muito pouco. Recente pesquisa feita pelo Center for the Study of Women in Television and Film aponta que a diversidade de raças na TV dos Estados Unidos está a milhas de distância do ideal: 78% das personagens femininas no primetime são caucasianas, enquanto apenas 13% são negras e 4% são latinas. Outros números reforçam a reclamação de Viola. O Relatório Anual da Diversidade em Hollywood de 2015 mostra que, no biênio 2012-2013, apenas 6,5% das atrações de TV foram protagonizadas por não brancos. Ainda assim, há avanços.
- Como tudo em cultura e entretenimento, a premiação a Viola não é um elemento isolado. Tem que ser entendido no contexto de um mercado que, este ano, está colhendo sucessos de bilheteria com filmes com temática e elenco negros (Straight Out of Compton, The Perfect Guy), e, na TV, elencos multi-raciais estão tornando-se a norma - Fear the Walking Dead é predominantemente latino - e séries como Power, Empire e Ballers, majoritariamente negras, são um imenso sucesso - contextualiza Ana Maria Bahiana, jornalista brasileira e membro da Associação de Correspondentes Estrangeiros de Hollywood, responsável pela premiação anual do Globo de Ouro.
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O mercado ainda é feito majoritariamente para e por homens brancos jovens. Porém, toda a vez que isso é contra-atacado por números substanciais de audiência ou bilheteria, há uma erosão importante, segundo Ana Maria:
- Uma das produtoras de TV mais poderosas, hoje, é Shonda Rhimes, mulher e negra, criadora de Grey's Anatomy, HTGAWM e Scandal. Creio que o caminho está aberto, e é irreversível.
Tão aberto que, além de Viola, o Emmy ainda premiou premiou outras duas atrizes negras. Regina King, como coadjuvante de minissérie por American Crime, e Uzo Aduba, coadjuvante em drama por Orange Is the New Black.
- Penso que o real impacto da vitória de Viola é bem mais amplo. Há um motivo para celebrar que vai além da questão racial: trata-se da vitória dos personagens femininos tridimensionais, bem construídos, sexualmente determinadas e profissionalmente ferozes, independente de cultura, raça ou idade. Neste aspecto, a TV vem avançando nos últimos anos, mesmo que lentamente - aponta Sheron.
* Segundo Caderno