Com frases de efeito e bom-humor, Valter Hugo Mãe conquistou a plateia do Fronteiras do Pensamento desta segunda-feira. O escritor português arrancou palmas e risos da plateia do Salão de Atos da Ufrgs ao ler o texto Síndrome do Bom Moço, feito para a conferência.
- Não há como não viver juntos, não se pode atingir humanidade na profunda solidão - afirmou o conferencista em relação à pergunta "Como viver juntos?", que norteia o ciclo de palestras deste ano. - Trato disso em meu romance mais recente, A Desumanização, em que um dos personagens diz "quem opta conscientemente pela solidão, opta por deixar de ser gente". Este não é o propósito da humanidade.
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O autor começou sua fala contando uma história de infância, quando sofria de uma doença que lhe dava feridas nas mãos. Para curar o mal, uma tia o levou a uma igreja e o fez rezar para São Bento. No dia seguinte, para espanto da família - inclusive da tia beata -, ele estava curado. Desde então, como uma maneira de exercer sua gratidão pela cura, sentiu a necessidade de ser um rapaz sempre muito cuidadoso e gentil, comportamento que caracteriza como "Síndrome do Bom Moço". Por tratar tudo com extrema delicadeza e usar diminutivos ao falar, classificou muitas vezes a "síndrome" como "horrível". Hoje, no entanto, ele avalia que tal postura pode ser uma forma de resistir ao individualismo crescente da sociedade:
- A partir do momento que perdemos a esperança de que é possível melhorar no sentido coletivo, estamos caminhando no sentido contrário à humanidade. É um recuo, voltamos a ser mais grotescos, mais animais. Quando penso isso, conforta-me saber que minha forma de ser é provavelmente uma resistência. Estou lutando para que a humanidade não termine.
Mas o bom-mocismo não impediu o palestrante de ser contundente quando o tema foi a União Europeia. Mãe criticou a desigualdade social e econômica entre países.
- A Europa está outra vez em ódios profundos. As pessoas estão se lembrando por que estávamos todos em guerra. As pessoas estão se lembrando outra vez porque a Suíça é uma hipocrisia. Lá se esconde dinheiro, mas a Suíça é vista como uma nação evoluída e educada. É fácil ser evoluído quando toda gente enterra lá o dinheiro - afirmou. - Já na Grécia, o povo não tem luz em casa, não tem água e nem o que comer. A partir do momento em que temos uma dita "união" em que um povo de alguns milhões não come, alguma coisa está errada.