Com cada vez mais filmes à disposição para exibir, mas com cada vez menos longas-metragens brasileiros inéditos entre eles, o 43º Festival de Cinema de Gramado começa nesta sexta-feira prometendo uma edição quente na Serra. A temperatura alta das ruas já chegou ao evento antes mesmo de seu início. Tudo porque os produtores do filme de abertura, o aguardado Que Horas Ela Volta?, retiraram o longa da mostra competitiva nesta semana para poder apresentá-lo em uma pré-estreia em São Paulo - a realização de uma sessão comercial paralela é vedada pelo regulamento do evento (leia mais abaixo).
O filme de Anna Muylaert já tem carreira consolidada no circuito de festivais, o que é uma marca de alguns dos 15 longas em exibição. São oito brasileiros, selecionados entre 124 inscritos, e sete latino-americanos, escolhidos entre 67 produções de vários países - entre os curtas nacionais, as inscrições chegaram a quase 600.
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- O ineditismo é importante para Gramado, mas a qualidade é mais. Por isso, tivemos esta orientação junto aos curadores: não perder filmes bons porque eles já passaram em outros festivais. O importante é não terem sido exibidos comercialmente no circuito, caso de Que Horas Ela Volta? - explica Chania Chagas, diretora de eventos da Gramadotur, entidade promotora do festival.
Entre os grandes eventos culturais do Rio Grande do Sul, Gramado foi um dos raros a não terem o orçamento reduzido, na comparação com a edição anterior - a conta deve fechar em R$ 3 milhões, projetam os organizadores. Quem for à Serra não deve ver tantos astros no tapete vermelho, como em outros tempos, mas a decisão de convidar prioritariamente atores dos filmes a serem exibidos tem menos a ver com a questão econômica e mais com a estratégia adotada.
- Queríamos fazer mais do que vamos fazer, sim - comenta João Pedro Till, presidente da Gramadotur. - Mas nossa ideia era trazer mais convidados do Exterior, alinhavar o intercâmbio com outros festivais.
- Pretendíamos investir em encontros para coproduções internacionais - complementa Chania Chagas.
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A organização prefere falar em "adequações" de orçamento, rechaçando o uso do termo "cortes". Compôs um time diversificado de homenageados, que inclui o mestre argentino Fernando Solanas, a diva Marília Pêra, o veterano cineasta Zelito Vianna e o midas do cinema popular Daniel Filho. O panorama oferecido pelos filmes também é o da pluralidade: há longas de países como Equador e Costa Rica (em 2014, a Argentina dominava a mostra latino-americana) e de vários Estados brasileiros (a ausência sentida é Pernambuco, que trouxe alguns dos melhores filmes do evento nos últimos anos).
- Gramado segue sendo o mais badalado dos festivais do país - define Maria do Rosário Caetano, jornalista e crítica que acompanha o circuito festivaleiro pelo Brasil. - Mas formando, junto com Brasília, a dupla de festivais referenciais mais antigos que temos, deveria fincar pé em ter filmes cem por cento inéditos.
Dada a polêmica em torno de Que Horas Ela Volta?, a questão das exibições prévias deve estar no centro dos debates na Serra nos próximos dias.
Polêmica na abertura
No fim de junho, Que Horas Ela Volta? (na foto acima, a protagonista Regina Casé) teria sessão no Cine Ceará, em Fortaleza. Badalado no Exterior, com prêmios recebidos em Sundance e Berlim, o longa de Anna Muylaert estava chegando ao circuito brasileiro de festivais. Acabou retirado da competição dias antes de seu início, devido a uma alegada mudança de data de sua estreia nas salas comerciais.
A nova première nacional foi marcada para Gramado, mas o filme se repetiu: na semana do início do evento, acabou retirado da competição porque seus produtores preferiram marcar uma sessão de pré-estreia em São Paulo na semana que vem (a estreia está marcada apenas para o dia 27 de agosto). Como o regulamento do festival serrano exige que os títulos em competição não tenham exibições comerciais antes do término do evento, Que Horas Ela Volta? acabou tendo a sessão mantida, mas fora de competição.
- Conversamos com os produtores, e eles preferiram não adiar a pré-estreia, o que nos deixou de mãos amarradas - comenta Chania Chagas.
Maria do Rosário Caetano resume um sentimento comum entre a crítica e os profissionais que acompanham o circuito de festivais no Brasil:
- Esse caso me intriga. A exibição em Gramado será no dia 7 (sexta-feira), e a pré-estreia em São Paulo, só no dia 11 (terça). Como o regulamento de Gramado, que aceita filmes que já passaram por quatro ou cinco festivais, implica com uma pré-estreia posterior à sessão na serra gaúcha?
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Longas nacionais do 43º Festival de Gramado:
Que Horas Ela Volta?, de Anna Muylaert (SP)
Depois de deixar a filha no interior de Pernambuco e passar 13 anos como babá de um menino em São Paulo, mulher tem a chance de reencontrar a garota, com quem terá uma convivência turbulenta. Com Regina Casé. Sessão de abertura hors concours.
Ausência, de Chico Teixeira (SP)
Drama familiar centrado na figura de um jovem que assume o papel de homem da casa cuidando da mãe e seu irmão mais novo em meio um momento de impasse sexual e afetivo. Matheus Fagundes Irandhir Santos estão no elenco.
Introdução à Música do Sangue, de Luiz Carlos Lacerda (RJ)
No interior do Brasil, entre o mundo arcaico e o contemporâneo, uma família vive suas angústias numa atmosfera de desejo e repressão. Com Ney Latorraca e Bete Mendes.
O Fim e os Meios, de Murilo Salles (RJ)
Jovem casal se muda para Brasília para tentar resolver os impasses da relação e é envolvido no jogo de poder que marca uma campanha eleitoral. Com Pedro Brício, Cintia Rosa, Marco Ricca, Hermila Guedes e Emiliano Queirós.
O Outro Lado do Paraíso, de André Ristum (DF)
O Brasil dos anos 1960 por meio do olhar de um garoto idealista de 12 anos que se muda para recém-inaugurada cidade de Brasília, onde ele acompanha a transição do Brasil entre a democracia e a ditadura militar. Com Eduardo Moscovis, Jonas Bloch e Flávio Bauráqui.
O Último Cine Drive-In, de Iberê Carvalho (DF)
Jovem retorna a Brasília e reencontra, depois de muitos anos, seu pai, que insiste em manter vivo um cinema que já não atrai mais espectadores. Com Othon Bastos.
Ponto Zero, de José Pedro Goulart (RS)
Um adolescente encara os fantasmas imaginários e reais da vida adulta que se aproxima. Com Sandro Aliprandini.
Um Homem Só, de Cláudia Jouvin (RJ)
Para livrar-se da rotina miserável que leva, homem procura clínica que promete copiar pessoas, na esperança de que poderá buscar uma vida melhor se deixar uma réplica vivendo a sua. Com Vladimir Brichta e Mariana Ximenes.
Os longas latino-americanos:
Ella, de Libia Stella Gómez (Colômbia)
En la Estancia, de Carlos Armella (México)
La Salada, de Juan Martin Hsu (Argentina)
Ochentaisiete, de Anahi Hoeneisen e Daniel Andrade (Equador)
Presos, de Esteban Ramírez Jímenez (Costa Rica)
Venecia, de Kiki Alvarez (Cuba)
Zanahoria, de Enrique Buchichio (Uruguai)
Os curtas-metragens da Mostra Nacional:
Bá, de Leandro Tadashi (SP)
Como São Cruéis os Pássaros da Alvorada, de João Toledo (SP)
Dá Licença de Contar, de Pedro Serrano (SP)
Enquanto o Sangue Coloria a Noite, Eu Olhava as Estrelas, de Felipe Poroger (SP)
Haram, de Max Gaggino (BA)
Herói, de João Pedone e Pedro Figueiredo (SP)
Macapá, de Marcos Ponts (MA)
Miss & Grubs, de Camila Kamimura e Jonas Brandão (SP)
Muro, de Eliane Scardovelli (SP)
O Corpo, de Lucas Cassales (RS)
O Teto Sobre Nós, de Bruno Carboni (RS)
Quando Parei de me Preocupar com Canalhas, de Tiago Vieira (SP)
S2, de Bruno Bini (MT)
Sêo Inácio (ou O Cinema Imaginário), de Helio Ronyvon (RN)
Virgindade, de Chico Lacerda (PE)
Os curtas-metragens da Mostra Gaúcha:
Arte da Loucura, de Karine Emerich e Mirela Kruel
Atrás da Sombra, de Luciana Mazeto e Vinícius Lopes
Bruxa de Fábrica, de Jonas Costa
Consertam-se Gaitas, de Ana Cris Paulus, Boca Migotto e Felipe Gue Martini
Da Vida Só Espero a Morte, de Júlia Ramos
De que Lado me Olhas, de Carolina de Azevedo e Elena Sassi
Kaali, de Gabriel Motta Ferreira
Nes Pas Projeter, de Cristian Verardi
O Corpo, de Lucas Cassales
O Sonho, o Limiar e a Porta que Metamorfoseia, de Gustavo Spolidoro
Pele de Concreto, de Daniel de Bem
Plano, de Virginia Simone, Carlos Dias e Matheus Walter
Quanto Mais Suicida, Menos Suicida, de Maurício Canterle Gonçalves
Rito Sumário, de Alexandre Derlam
Entre Nós, de Maciel Fischer
Ferro, de Giordano Gio
Madrepérola, de Deise Hauenstein
O Movimento do Escuro, de Alexandre Rossi
Liga-pontos, de Teresa Assis Brasil