A declaração é da produtora Julia Moraes, do longa O Fim e os Meios, e serve para ilustrar um cenário que o 43º Festival de Gramado, que vai até o fim de semana na Serra, ajuda a descortinar:
- Quando pedimos permissão para filmar no Congresso Nacional, em Brasília, ouvimos: "Lá vêm eles de novo. Mas por que querem vir aqui, falar mal da gente?".
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O Fim e os Meios aborda os bastidores da política na capital federal, a partir do olhar de um casal formado por um publicitário e uma jornalista. Nesta quarta, o Palácio dos Festivais recebe mais um longa que se passa na cidade e faz menção ao tema: O Outro Lado do Paraíso, de André Ristum, acompanha a saga de um homem atraído pela prosperidade na recém-construída Brasília, mas que tem seu sonho interrompido pelo golpe militar.
- Quase dá para chamar isso aqui de Festival do Cinema Brasiliense de Gramado - brincou o roteirista e produtor J. Procópio, ao apresentar outro título do Distrito Federal em competição, O Último Cine Drive-In, de Iberê Carvalho.
Haveria uma abundância de filmes recentes sobre a política nacional?
- Não exatamente - responde Rubens Ewald Filho, um dos curadores de Gramado, que viu os 124 longas inscritos no evento. - O Fim e os Meios me pegou justamente porque aborda um tema muito presente no país hoje, que é a sujeira na política, e que deveria aparecer mais no cinema. Talvez não apareça porque boa parte dos filmes é financiada com dinheiro público.
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De fato, o cinema brasileiro tem arranhado o assunto, com ficções como A Memória que me Contam (de Lúcia Murat, 2012) e, de maneira mais abrangente, documentários como Entreatos (João Moreira Salles, 2004) - para não falar no emblemático final de Tropa de Elite 2 (2010).
- A conferir se, olhando à distância e com noção de conjunto, esses filmes terão a profundidade de reflexão de um Terra em Transe (Glauber Rocha, 1967) ou de um O Bravo Guerreiro (Gustavo Dahl, 1969), realizados no olho do furacão - observa o crítico e professor da FAAP Luciano Ramos, presente em Gramado.
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O que o festival serrano tem corroborado, por meio de títulos como Que Horas Ela Volta?, de Anna Muylaert - talvez o principal destaque do evento até aqui -, é que o cinema pode ser politicamente contundente quando aborda temas sociais, e não necessariamente políticos.
- Por que esse filme da Anna tem feito sucesso lá fora (foi premiado em Sundance e Berlim e já estreou na Europa)? - questiona Ramos. - Uma hipótese: na ânsia de entender o Brasil hoje, e os próprios brasileiros, tão cordiais mas tão violentos, tão alegres mas tão explosivos, talvez tenham encontrado respostas melhores nos longas que abordam as relações de classe. No fundo, talvez o que decifre as contradições do país seja a reflexão social, e não política.
Nesse contexto, vale lembrar o papel de O Som ao Redor (Kleber Mendonça Filho, 2012), marco da produção recente no Brasil e, também, no Exterior - chegou a ser definido como "o" filme da era Lula e da ascensão da classe C no país.
Ainda é cedo para mensurar a relevância de títulos como O Fim e os Meios e O Outro Lado do Paraíso - e outros que também abordarão essa "temática angustiante", na definição do ator Pedro Brício, um dos protagonistas do filme de Murilo Salles. Mas é fato que o assunto, aos poucos, está sendo refletido pelo cinema nacional. Mesmo com a contradição que representa fazer essa reflexão usando dinheiro público, invariavelmente liberado pelo governo federal.
5 filmes políticos que marcaram o festival de gramado
Deu Pra Ti Anos 70 (1981)
O longa gaúcho em Super-8 de Giba Assis Brasil e Nelson Nadotti teve cortada, sob ameaça da censura, a cena em que um militar era atingido por ovos - recolocada posteriormente.
Pra Frente Brasil (1982)
Reginaldo Faria vive no filme de seu irmão Roberto um homem suspeito de subversão que é brutalmente torturado pela repressão enquanto o Brasil busca o tri na Copa de 1970. A produção foi proibida pela censura logo após ganhar o Kikito de melhor filme.
Nunca Fomos Tão Felizes (1984)
No começo dos anos 1970, ex-preso político (Cláudio Marzo) se aproxima do filho (Roberto Bataglin) que desconhece o passado e o mistério que ainda cerca aquele homem que lhe é estranho. O filme de Murilo Salles recebeu os prêmios da crítica e de melhor roteiro, entre outros.
Pornografia (1992)
Curta de Murilo Salles e Sandra Werneck com palavras de ordem contra o governo Collor sobre imagens com sexo explícito embaladas pelo Hino Nacional. A Justiça liberou a exibição do filme sem som, cabendo à plateia do Palácio dos Festivais cantá-lo.
Em Teu Nome (2009)
Inspirado na história real do militante de esquerda gaúcho João Carlos Bona Garcia, que aderiu à luta armada contra a ditadura militar e foi preso, torturado e exilado, ganhou os Kikitos de melhor direção (Paulo Nascimento) e melhor ator (Leonardo Machado).
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Daniel Feix
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