É mais comum celebrar datas redondas de compositores do que datas redondas de obras. Mas é que Tristão e Isolda, o drama musical de Wagner estreado no dia 10 de junho de 1865, está comemorando 150 anos. Data redonda que nos tempos da ditadura se chamava de "sesquicentenário". E aí os militares recuperaram os despojos de D. Pedro I e montaram paradas patrióticas para comemorar o sesquicentenário do 7 de Setembro. Fazia um silêncio de dar dó quando o cortejo enfrentou a rua Duque de Caxias, só o cloc-cloc dos cavalos, o esquife do imperador que desfilava lentamente.
Silêncio que não houve quando ouvi Kurt Masur reger trechos de Tristão e Isolda certa vez. Não deu outra: poucos compassos e lá veio a bronca. Com a autoridade de quem levou a Alemanha Oriental ao fim, Masur se virou para a plateia e, com firmeza inabalável, pediu respeito diante daquela "música mais sublime". A música recomeçou. Não se ouviu mais papel de bala, pigarro fora de hora: plateia petrificada ao som de Tristão e Isolda, coisa intensa.
Em 1865, essa música marcou época. Revolucionária, pôs a harmonia de ponta cabeça. Em música, harmonia é a ciência de combinar sons diferentes ao mesmo tempo com coerência, de onde se diz harmonia e não caos.
Então: no Tristão e Isolda, Wagner namorou o caos, a perda de coerência.
Que ele tivesse recuado depois não vem ao caso. Como também não tem importância que se passassem 40 anos para que essa revolução desse frutos. O que importa é a necessidade do caos para descrever, em música e em drama, uma paixão avassaladora como são as paixões das lendas, das óperas e das telenovelas.
Por isso se comemoram os 150 anos (o sesquicentenário...) da obra. As revoluções de Tristão e Isolda e Kurt Masur passaram para a história. Daquela música ficou o sublime, como ele disse naquela noite barulhenta em que, com olhar de geladeira, transformou pessoas em pedras. Ainda hoje o efeito de Tristão e Isolda é bem esse. Nos faz parar e pensar se aquilo tudo é mesmo sublime, ou talvez seja uma bobagem, ou quem sabe seja a mais perfeita expressão musical da sensualidade.