O Supremo Tribunal Federal começará a julgar nesta quarta-feira uma ação da Associação Nacional dos Editores de Livros (Anel) que pode derrubar a necessidade de autorização prévia para a publicação de biografias. A polêmica se arrasta há pelo menos oito anos.
Confira depoimentos de biógrafos sobre a expectativa em relação ao julgamento:
Nelson Motta, autor de Vale Tudo - O Som e a Fúria de Tim Maia:
"Acho que (as biografias) serão liberadas, é um caminho sem volta. Como diz a Dilma, já estou considerando página virada (risos). Acho que, daqui em diante, as editoras vão tomar cuidado, vão fazer uma revisão (nos livros). Porque liberar as biografias não significa licença para difamar. Espero que isso (a liberação) funcione, como nos países civilizados. O cara escreve o livro e assume as responsabilidades. E a coisa se resolve rapidamente (na Justiça). Então, todo mundo toma cuidado e mede bem os riscos. Acho que a censura posterior vai continuar e tem que continuar, quando for o caso de uma difamação. Isso se resolve na Justiça. Mas a princípio tudo que um artista fez na vida interessa (em uma biografia) porque fez dele o que ele é. São detalhes que muitas vezes explicam uma personalidade toda. Acho que isso vai ficar mais tranquilo. Vai ter briga, claro. Mas não vai ter mais essa história selvagem de proibição, essa coisa truculenta"
Veja obras que podem ser publicadas em caso de liberação
Julio Maria, autor de Elis Regina - Nada Será Como Antes:
"Não tenho dúvida de que vai rolar a liberação das biografias. Agora, temos que prestar atenção nos detalhes. Depois de aprovada (a liberação), o que vai fazer uma biografia ser retirada das livrarias? O que pode ser considerado violação da privacidade? Corremos o risco de ter uma censura posterior se o trabalho do biógrafo não for muito bem definido. Sinto falta disso no debate. O que é da vida íntima de uma pessoa pública interfere na sua vida pública. O choro da Elis (Regina) durante uma interpratação tinha a ver diretamente com uma briga conjugal. Então, não se pode limitar o biógrafo a escrever apenas sobre assuntos considerados públicos de uma pessoa. De qualquer forma, acredito que teremos mais biografias publicadas a partir dessa decisão (a liberação das biografias), e rapidamente. Porque aí acaba a censura prévia e o temor das editoras em ter que retirar os exemplares das livrarias. Para pedir a retirada, o herdeiro (do biografado) terá que provar que o livro ofendeu a imagem da pessoa"
Lira Neto, autor de Getúlio
"Um detalhe no qual poucas pessoas prestam atenção neste momento em que se discute a liberação ou não das biografias não autorizadas é que os dois artigos do Código Civil, o 20 e 0 21, eles não especificam em nenhum momento o gênero biográfico, a proibição do gênero biográfico. Ou seja, o problema é maior do que aparentemente parece. O problema é que qualquer narrativa histórica, seja ela escrita por um jornalista, por um biógrafo, por um historiador, por um cientista social, por um cientista político, desde que essa análise ou narrativa seja publicada no formato de livro, ela também vem a estar passível de ser considerada uma invasão de honra, uma invasão de privacidade, ou seja, ela também pode ser passível de punição. Ou seja, o gênero biográfico está sob ameaça neste momento no país. É a própria narrativa histórica, é a própria história do Brasil que está correndo o risco de ser impossibilitada de ser contada. Então, repito: em nenhum momento os dois artigos estabelecem de forma taxativa essa proibição apenas para o gênero biográfico, mas a qualquer personagem, inclusive histórico.
Eu espero que prevaleça o bom senso. Tenho conversado aqui e acolá com pessoas do meio jurídico, tive oportunidades inclusive de, em eventos sociais, me encontrar com um ou outro membro do Supremo, e me parece que há um entendimento geral de que precisamos exatamente fazer que essa ameaça à liberdade de expressão no Brasil seja suprimida de uma vez por todas de qualquer texto legal. Eu confio no bom senso e acho que o STF irá julgar de forma conveniente, que ele irá promover a liberação total e absoluta de qualquer narrativa histórica, incluindo aí as biografias não autorizadas."