Tive a honra de musicar alguns versos de Sergio Napp. Canções que cantei pelos festivais entre os anos 80 e 90. Muitos tiveram esta alegria: Mário Barbará, Jair Kobe, Jerônimo Jardim, Albino Manique, Luiz Carlos Borges, Pery Souza, Cesar Dorfmann, Fernando Cardoso, Carlos Cachoeira, Marcelo Delacroix, Juca Novaes, Sérgio Souto, Hermes Aquino, Plínio Salles. Foram tantos que devo estar esquecendo alguém. E foram também muitas vozes que contribuíram para que seus versos andassem por aí soltos na boca dos ventos: Elis Regina, Hebe Camargo, Clara Nunes, Ângela Jobim, Lucia Helena, Elaine Geissler, Berê, Flora Almeida, Vanessa Longoni, Simone Raslan, Marlene Pastro, Victor Hugo, Ivo Fraga, Nelson Coelho de Castro, Eraci Rocha, Thedy Correa, Duca Leindecker, Elton Saldanha, os grupos Canto Livre, Status, Tambo do Bando e tantos outros.
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Sua lírica era requintada. A um só tempo rija e fluida. Transitava pela crueza de um cais de porto onde carregam lixo, vendem revistas, juntam baganas, ou ouvindo apenas os gemidos dos remos nas águas do Uruguai. Coisas que ele carregava em sua mala de garupa onde levava num canto escondida, uma ponta de saudade, rapadura e erva-mate e um bilhete pra cidade. Era claro de céu, resto de verde, berro de boi... Sabia de pitangas colhidas na festa da vida, carícias de campos cobertos de trigo... Pampa, milongas e rio! Esse era o barro amassado do seu canto. Na literatura, sua obra é vasta: conto, poesia, crônica, romance. Escrita voltada para o público adulto e infantojuvenil. Desde a década 1960 participou com destaque, primeiro dos festivais no centro do país e, a partir dos anos 1980, nos eventos nativistas, tornando-se um dos mais premiados compositores gaúchos. Desgarrados, em parceria com Mário Barbará, é seguramente uma das mais importantes canções surgidas na Califórnia da Canção Nativa, quando, por ocasião da 11ª edição em 1981, recebeu a Calhandra de Ouro como a grande vencedora do festival.
Nos últimos tempos, vinha dedicando seu engenho à literatura e escrevendo, mensalmente, no jornal Zero Hora na coluna Pampianas da edição de sábado. Junto a Dom Luís e Mancha, contava-nos saborosíssimas histórias que se passavam num campo habitado por lembranças e amigos visitantes. Alguns vinham de longe, outros sempre lá estiveram, e outros ainda que haviam viajado para sempre, mas que encontravam na poeira do tempo uma rota, uma nesga de caminho ou luz, para repartir um mate e algumas acontecências.
Um nome para ser gravado nas pedras deste deserto: Sérgio Napp! Um nome para ser cravado no coração: Sérgio Napp! Porque mostrou na vida e na arte que sempre é possível saciar a boca sedenta nas águas de uma alegria. Eh! Meu amigo, de repente uma saudade feito o minuano quando sopra pela tarde. Esta noite, todas as noites quando avistarmos no céu um risco claro, lá estará ele. Aquela luz é dele. Uma estrela desgarrada repontando a cruz brilhante rumo ao sul.