Estamos no centro do saguão da Fabico, meu amigo Tales Tommasini e eu, cabisbaixos, a terminar de enferrujar os últimos copeques entre os dedos, pasmos com a notícia de que o bar da faculdade será proibido de vender cerveja a partir da meia-noite, e que nós, despreparados e estudantes, perderemos a saideira por apenas R$ 2. Amaldiçoada a reitoria pela sobriedade compulsória, resta-nos encontrar, como forma de alívio, um castigo maior do que o de nossas gargantas secas.
Neste instante, um carteiro entra no prédio e entrega a cada um de nós um envelope lacrado. Abertos, revelam, cada qual em seu íntimo, uma foto polaroide. Antes que eu possa ver a minha - canhotos e seu uso de pegar as coisas pelo lado contrário -, o Tales me estende a sua. Alguém parecido com ele, só que mais velho, com olheiras fundas, o rosto pálido à luz do computador. Na base, a data escrita à mão (a letra é dele) indica 2006.
Estamos em 1996.
Preciso virar a minha, mas não tenho coragem.
Para mim, o contato com a realidade sempre foi como tocar um pedaço de carne crua, pegajosa e irrevogável. O que pensar de uma realidade futura? Ei-la: Estou careca, tomando um sorvete com olhos tolos, sorrindo não sei por quê.
Nada contra o sorvete, mas saber o que vai acontecer é uma pedra sobre a própria ideia de futuro, sobre qualquer forma de imaginá-lo. Assim, pouco importa o instante eleito para a foto. Qualquer instante cairia como uma condenação.
Acessório dizer que não houve carteiro naquela noite. Por sorte, filamos uns goles, enquanto desenvolvíamos a ideia do momento polaroide.
Contudo, não há boa ideia que sobreviva sem desvios. Ao longo dos anos, minha contribuição foi inverter-lhe as consequências: não um golpe vindo do futuro, mas fotos tiradas no presente para escandalizar o passado, para não deixar morrer os instantes absurdos em nossas existências triviais, registrados com a exclusividade de uma só cópia, instantes tão contrários aos dos momentos Kodak, esses sim assustadores, a qualquer tempo. O momento polaroide sabe que a felicidade é um bem único, que jamais aceitaremos antes, mas que sempre guardaremos depois, mesmo quando a impressão já vier esmaecida.