Liguei algumas vezes para Antônio Abujamra. Ante seu silêncio inicial, instado a confirmar se era ele quem atendia, soltava um invariável "É o que resta dele" como resposta. Às vésperas de estrear peça nova, meio alucinado, tenho vontade de responder assim a quem me telefona.
Ri e aprendi muito com o Abu. Uma vez, fomos, eu e Linneu Dias, ver um espetáculo no qual ele dirigia Denise Stoklos. Empatia imediata. Inesquecível para mim, recém-chegado ao universo teatral brasileiro, presenciar o encontro daqueles dois grandes atores. Veteranos talentosos. Crianças endiabradas. O teatro era o brinquedo preferido dos dois moleques.
Como eles, escolhi não querer "mais do mesmo", zona de conforto ou fórmulas já testadas no palco. Ainda acompanho o que meus colegas de geração estão aprontando e o que pensam os que vieram depois de nós. Há talentos teatrais reais em nossa terra e me orgulho quando, fora daqui, me reconhecem como diretor teatral gaúcho. São muitos os criadores locais que admiro. Carlota Albuquerque e Daniel Colin, por exemplo, são artistas de verdade.
Criação pede salto sem rede, obsessão e foco. Dias férteis e noites insones em busca do Santo Graal. No teatro: textos pertinentes, dramaturgias imprevisíveis, elencos afinados. Trânsito sagrado. Transe lúcido. Lucidez onírica. Trabalho duro. Assinatura. É incrível ver o que existia apenas como ideia remota se materializar em carne e emoção diante dos olhos. Uma vez, o Luiz Paulo Vasconcellos me disse que "diretor teatral não é Deus, mas tem de ser". Nunca esqueci.
A artesania, do teatro e da vida, "pede um pouco mais de calma", como diria o Lenine. A velocidade superficial das redes sociais, pletoras da incontinência, não me fascina. Vorazes, transformadas em território universal da infâmia, essas ferramentas digerem o lixo do mundo. E, se "a loucura finge que isso tudo é normal", eu não. Respeito é bom. Silêncio também. E boa música. Wallflower. Diana Krall cantando sucessos dos anos 1960. Discão maravilhoso.