Desde sempre, a Fresno gostou de ser épica. Títulos como Redenção (disco de 2008, a estreia do grupo na gigante Universal Music) e Infinito (mais recente CD, com sonoridade e temática espaciais) não são por acaso. É com esse espírito que Lucas Silveira atendeu a reportagem para falar sobre os 15 anos de carreira de uma banda que praticamente inaugurou o emo no Brasil e foi motivo de discórdia e paixão desde seu surgimento. O show de celebração neste sábado, no Araújo Vianna, em Porto Alegre, "é a volta do filho pródigo", diz o vocalista, que demorou muito pouco para entrar em uma viagem sentimental e nostálgica ao início dos anos 2000, quando quatro adolescentes gaúchos romperam com aquilo que viam na MTV e ouviam na Atlântida para começar a pesquisar e disponibilizar na internet - algo quase futurista, à época - músicas inspiradas no hardcore californiano.
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Neste sábado, a Fresno volta a Porto Alegre ainda com o sentimento de tocar em um bar para 50 amigos bêbados, mas com a popularidade infinitamente maior e com uma sonoridade que evoluiu com o passar dos anos. O show de comemoração - que marca também o lançamento do CD e do DVD 15 Anos Ao Vivo - deve recordar músicas dos seis discos e três EPs, levando fãs antigos e recentes a um passeio pela carreira de Lucas e seus companheiros (que, nesse meio tempo, também já mudaram bastante). Mas, mais do que isso, a apresentação é um retorno às origens - algo essencial para que a banda pense o seu futuro.
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Lucas, tu tens saudade da época em que a banda começou?
Lucas Silveira - Saudade é normal. A gente viveu muitos momentos especiais. Por exemplo, em 2003, quando a banda começou a ficar mais séria, a gente não sabia exatamente porque tinha começado a pintar gente que a gente não conhecia nos shows. Não eram mais só nossos amigos. Mas a gente achava aquilo normal: tu começava a tocar, as pessoas começavam a gostar, a banda começava a crescer. Em 2004, fizemos três shows na Crocco (antiga casa noturna de Porto Alegre). O primeiro deu 150 pessoas. O segundo, 400. No terceiro, não cabia mais ninguém. Em 2005, voltamos para tocar lá e tinha 300 pessoas do lado de fora. Na minha cabeça, era um negócio normal. Mas, não! Aquilo estava acontecendo conosco e com outras poucas bandas. Se eu tenho saudade de algo, é dessa ingenuidade. Tudo foi acontecendo numa escadinha, como naquela parte do filme em que começa a tocar uma música alegre e os anos vão passando, com tudo dando certo.
Depois de 15 anos, os fãs do início da banda amadureceram. Vocês também cresceram como músicos. Hoje, quem são os fãs da Fresno?
Lucas - É impossível ser uma banda jovem para sempre. Não impossível, mas ridículo. A gente percebe que, cada vez mais, não dá para ser uma banda que fala sobre dois anos da vida de uma pessoa. É um formato que não se mantem, a não ser que seja o One Direction, que é muito grande e consegue chegar a todos os adolescentes de uma geração do mundo. Isso nunca foi a nossa ideia. Nos comunicávamos muito com o público adolescente porque estávamos próximos disso.
Porto Alegre ainda é um lugar especial para fazer show?
Lucas - Ah, sempre vai ter cara de show em casa. É mais triunfal, ver que a gente saiu daí porque a carreira exigia isso, mas tem o clima da volta do filho pródigo. É muito foda. Fora que a gente põe uma lista de cem pessoas na porta da casa com os nomes dos bróders do colégio, que iam no show no Garagem Hermética em 2001. Porto Alegre é único lugar que rola isso.
Quando vocês surgiram, souberam usar a internet muito a favor. Hoje, ainda existe a discussão sobre como a internet pode ajudar ou prejudicar a indústria da música.
Lucas - Nós fomos uma das primeiras bandas que saíram do colégio já sabendo usar a internet. Mas não algo que a gente tinha estudado, a gente sabia porque usava. Nos pediam dicas, na época, e a gente não fazia a menor ideia do que falar. Quando eu criei um perfil no Orkut, vi que já existia uma página de fãs da Fresno com 70 pessoas. Tudo que eu queria, na época, era chegar a mil. Ia ser muito louco ter mil fãs. Só que, em muito pouco tempo, já tinha mais de 10 mil, e eu achei aquilo maluco. No dia seguinte, tinha 10 mil e 400. Foi quando eu comecei a ter noção do tamanho. Hoje, tu consegue saber em que países chegou o teu post, que música foi ouvida em cada cidade, dá para ir até o perfil do cara e agradecer na língua dele. As ferramentas são incontroláveis, e isso hoje em dia é parte integrante da carreira de uma banda, não tem mais como separar. A gente segue sendo uma banda muito engajada na internet, nós mesmos fazemos questão de cuidar de tudo, para ser que nem sempre foi: o cara da banda no celular, digitando "obrigado por terem ido no show", sem ser corporativo. Acho que esse é o segredo, as pessoas percebem.
O emo sofreu um preconceito gigantesco quando surgiu no Brasil. Como vocês lidavam com isso? E como conseguiram superar?
Lucas - Foi um puta teste. A gente saiu do underground, onde a Fresno era uma das maiores bandas, para ser apresentado ao mainstream e deparar com esse olhar torto. Foi a primeira vez que lidamos com rejeição - porque quem tá no Garagem Hermética tá lá porque quer. Quando tu começa a fazer grandes festivais, o público não é necessariamente o teu. Acho que todo o grande fenômeno lida com rejeição. Sempre que tu mostra algo para todo mundo, alguém não vai gostar. A própria mídia enxergou de uma maneira estranha. Mas, como começamos antes de isso existir, estávamos só atravessando aquilo, surgiu no meio da nossa travessia. Então, a gente explicava com a maior educação possível, procurava se qualificar, para ficar cada vez mais inegável a nossa história, a nossa música. Para não ter o que ninguém dizer. Se a pessoa realmente ouvisse o nosso som, ela não teria o que falar. E contamos com a ajuda do nosso público. Esse bullying fez com que o nosso público se unisse mais, se tornou quase uma religião. Fala mal da Fresno, e o fã vai enlouquecer, vai querer te matar. É a mesma coisa do fã do Iron Maiden, do Los Hermanos, do Engenheiros do Hawaii, que são bandas que o grande público olha torto. O fã fica xiita. É essa a receita para ter fãs ardorosos, passionais.
Vocês surgiram numa época em que o rock era muito forte. Hoje não é tanto. O que mudou?
Lucas - A música, a moda, tudo que é fruto da indústria cultural, vem em ciclos, e esses ciclos se renovam. Quando volta, volta mais forte, com mais noção e bastante ligado ao ciclo anterior. Talvez o ciclo que revelou a gente tenha sido o ciclo menos conectado com a cena que veio antes. Isso fez com que ele tenha sido encarado com descrédito pela galera da cena anterior, porque a gente é fruto da geração que não precisou fazer banda com base nas bandas que tocavam no rádio e na MTV. Não, eu estava buscando na internet umas paradas da Califórnia, do hardcore melódico, era aquilo que eu gostava. Quando virou meio grande, as pessoas pensaram "que porra é essa?". A gente tem orgulho de ser uma das que ficaram. Toda grande onda gera uma ressaca, e daqui a pouco se forma outra. Eu já consigo enxergar com clareza uma nova onda vindo, com trabalho autoral de rock de qualidade. A própria Tópaz começou uma renovação em Porto Alegre. Nacionalmente, tem o Supercombo, o Scalene, são bandas que têm identificação com o underground mas com uma cara alternativa, bandas muito profissionais, que fazem rock e são muito populares. O rock é uma cena que nunca morre, porque tá sempre acontecendo no underground. Não sei se existe underground do popularzão, porque ali tem muito pistolão, aparecer no Faustão. O público consome o que faz muito sucesso. No rock, é outra coisa.
Depois de 15 anos, o que a Fresno tem a oferecer de novo?
Lucas - Quero conquistar mais fãs, quero evoluir tecnicamente, musicalmente, artisticamente, na conduta da banda. Que tamanho a gente quer ter? O que a gente tem que fazer? Onde a gente quer tocar? Tem muito o que fazer até ser velho e ter uma carreira burocrática, cover de si mesmo, que eu acho algo deprimente. Quando a gente não tiver mais o ímpeto de fazer o melhor disco possível, não ter vontade de mostrar um disco novo para os amigos e para a família com orgulho, tem que acabar.
O que esse DVD significa na história da Fresno? E quais são os planos para o futuro?
Lucas - Esse DVD é a pedra fundamental de um novo capítulo novo para a banda. A gente não ter material de show gravado talvez faz com que quem não conhece a banda não tenha noção do que nós somos e como é a experiência de ver nossa música ao vivo. Dá outra dimensão à nossa música, e a gente espera que as pessoas vejam e pensem "quero fazer parte disso". Sobre projetos para o futuro, eu estou escrevendo músicas, estamos pensando em maneiras diferentes de gravar e lançar material. Não queremos só ir para o estúdio e lançar um disco, o mundo pede coisas mais criativas e motivadores. Desde gravar um disco ao redor do mundo a lançar músicas de maneira diferente, os planos são megalomaníacos. Se a gente vai realizar, eu não sei. Mas ficar pensando nisso já nos inspira.
Serviço
Sábado, às 21h. Classificação: 14 anos
Duração: 120 minutos.
Auditório Araújo Vianna (Osvaldo Aranha, 685)
O show: Fresno toca sucessos de toda a sua carreira para comemorar o aniversário de 15 anos da banda.
Ingressos: R$ 70 (plateia alta lateral), R$ 90 (plateia alta central), R$ 110 (plateia baixa lateral) e R$130,00 (plateia baixa central).
Pontos de venda sem conveniência: Agência Brocker Turismo (Av. das Hortênsias, 1845, em Gramado, das 9h às 18h30min), Rua Coberta (Campus 2 da Feevale, em Novo Hamburgo, das 9h às 14h), Bourbon Shopping Novo Hamburgo (Nações Unidas, 2001, das 13h às 21h), pelo call center, no telefone 4003-1212 (das 9h às 21h) e pelo site www.ingressorapido.com.br.
Pontos de venda com conveniência: bilheteria do Teatro do Bourbon Country (Túlio de Rose, 80, a partir das 10h) e no local (a partir das 14h)