Morto na noite de quinta-feira, aos 75 anos, Sergio Napp deixou uma obra múltipla, na literatura e na música. São dele algumas canções clássicas do regionalismo gaúcho, como Desgarrados (parceria com Mário Barbará) e Canto Livre (com Fernando Cardoso e Jair Kobe). Esta última deu origem ao grupo vocal homônimo, que marcou época nos anos 1980 e reuniu-se em show num Theatro São Pedro lotado em agosto de 2014.
Habitué dos festivais nativistas em sua era de ouro, Napp foi gravado por intérpretes como Elis Regina (Meus Olhos) e Hebe Camargo (Pequeno Sol). A principal virada na sua carreira se deu em 1987, quando assumiu a direção do então incipiente projeto da Casa de Cultura Mario Quintana, participando da restauração do Hotel Majestic. A partir dessa mesma época, destacou-se publicando romances como Jogo das Circunstâncias, livros de poesia como Caixa de Guardados e volumes infantojuvenis, como A Gangue dos Livros.
Tinha formação em Engenharia, mestrado em Literatura e era colunista de ZH - assinava a coluna Pampianas uma vez por mês no 2º Caderno. Foi para esse espaço que escreveu a crônica Vida e Morte, que restará como a sua última, reproduzida abaixo:
Então isto é a vida: esta faixa rajada de vermelho que encerra o dia? Este resto de arco-íris depois da chuva mansa? A aragem embalando as folhas que se desprendem das árvores nas calmas manhãs de sol? E o homem a que responde a tudo isto? Deixa-se em contemplação? Mede-se o seu espanto pela alegria ou pelo medo? O que é o medo? Algo que não se pode medir? Um ponto escuro em que os olhos se fecham para que nada se veja? A morte?
Ah, a morte, em que momento ela se confronta com a vida? Em que momento elas disputam a primazia sobre o corpo à sua frente? Serão inimigas? A vida é mais harmoniosa, embora, sem dúvida, a morte seja a mais forte. O homem se assusta com a morte e tenta, de todas as formas, lhe escapar. A morte o cerca de forma inexorável. A morte possui toda a paciência do mundo. Com a paciência, que só ela possui, o espreita, enquanto apara as unhas e corrige as cutículas.
Morre o escritor e letrista Sergio Napp, aos 75 anos
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Pesquisas demonstram que se escrevermos sobre nossas aflições e nossa possibilidade de morrer, a vida tem uma chance. Pequena, claro, mas enfim.
E sobre o que deveremos escrever? Experiências, dores, medos, ambiguidades? Depende de cada um. De como sentimos a proximidade desta senhora. Você tem um câncer? Escreva. Tem uma cardiopatia grave? Escreva. Dizem que o fato de escrever sobre ou não, diminui as possibilidades. Em tese, ela não me assusta, pois o caminho é inexorável. Entretanto, as circunstâncias nos fazem refletir. A vida sempre estará por perto nos dando uma esperança. A morte, não. Não há esperanças na morte.
Neste momento ela é meu tema (talvez porque eu a adivinhe?), enquanto amanhã, quem sabe, considere este tema uma grande bobagem. Quem sabe, seja uma radiosa manhã de sol e eu saia para um passeio de bicicleta. Quem sabe, logo adiante, ela se ponha à minha frente?
Estamos sempre entre uma e outra, queiramos ou não.
Morrer de repente é o prazer do homem, viver é seu objetivo.
A morte anda, a morte é.
E a vida?
O que cada uma nos reserva não sabemos e, se soubéssemos, o sentido entre elas perderia importância.