Tem gente que morre na hora certa, gente que demora demais para morrer e gente que morre antes do tempo. Este último é o caso do poeta, escritor e compositor curitibano Paulo Leminski, que se mandou em 1989, pouco antes de completar 45 anos.
Em 2013, a Companhia das Letras lançou o livro Toda Poesia, com a reunião de sua obra poética, que surpreendentemente entrou para as listas de mais vendidos - foi surpresa porque nada indicava um ressurgimento forte do interesse pelo legado dele. Ficou então visto que Leminski não apenas ocupava um espaço no imaginário das novas gerações, como havia deixado um resíduo em seus contemporâneos que talvez não tivessem sabido apreciá-lo e entendê-lo. Agora, para trazer ainda mais à tona sua significação, é lançado o álbum duplo Leminskanções, resgatando parte da obra musical.
O projeto foi coordenado pela cantora e compositora Estrela Leminski, que criou uma persona e uma banda para levá-lo à frente: Estrelinkski e Os Paulera. O nome remete a um trio formado pelo pai, Duas Pauladas e uma Pedrada, pois tinha dois Paulos e um Pedro. Além do fato de o ótimo som dos Paulera ser quase sempre pesado, começando com duas e até três guitarras distorcidas (uma delas do maridão Téo Ruiz, outra do bamba Du Gomide).
"Me propus a fazer o que mais se aproxima do que meu pai faria, tanto pelo recorte quanto pelas referências", escreve Estrela no belo encarte de 36 páginas. "Os arranjos foram baseados no que ele ouvia, então se você encontrar The Police, Nhô Bermanino e Nhá Gabriela, John Cage, Pistols, Gilberto Gil, Elvis Presley, Itamar Assumpção e Gramani, não se preocupe: você está ouvindo bem."
São 25 músicas, 11 delas inéditas, garimpadas no acervo de fitas cassete caseiras. A mais conhecida é Verdura, gravada por Caetano Veloso em 1981 e que revelou para o público o Leminski compositor. Também Filho de Santa Maria, lançada por Itamar Assumpção, teve certa notoriedade. Ambas estão no CD 1, ao lado de inéditas feitas integralmente por ele, entre elas Não Mexa Comigo, com a participação de Arnaldo Antunes, e Se Houver Céu, cantada por Zeca Baleiro.
O CD 2 reúne as parcerias, como Promessas Demais (com Moraes Moreira), gravada originalmente por Ney Matogrosso, e as inéditas Diversonagens Suspensas (com Natalia Mello, também diretora musical do disco), Hard Feelings (com Itamar), gravada aqui por Serena Assumpção, e Sinais de Haicais (com Zé Miguel Wisnik).
É Wisnik quem escreve, no posfácio do livro Toda Poesia, que Leminski "viveu intensamente a tentação da canção". Como a maioria dos ouvintes não conhecia a extensão desse lado, não tinha ideia de que ele se dizia um músico, o álbum produz nesse sentido uma clareza quase didática.
Leminskanções ilumina um "novo" compositor, mais atual que a maioria dos que andam por aí. Um autor de melodias para versos concisos mesclando muitas vezes a brincadeira com o pensamento, digamos, grave. Três trechinhos de letras:
"Adão nasceu pelado/ E nada é o que ele tinha/ Me explica, me explica, vizinha/ Como é que tem gente rica";
"Um homem com uma dor é muito mais elegante";
"Sou legal, eu sei/ Agora só falta convencer a lei".
E onde eu não citei está a voz de Estrela. Canta lindamente e ainda nos traz tudo isso.
Leminskanções
De Estrelinski e Os Paulera
Álbum duplo, 25 faixas, Whols Produções/Tratore, R$ 44,90.