Em meados dos anos 1970, não havia internet, nem TV por assinatura, nem locadoras de fitas VHS. As poucas lojas de discos importados só ofereciam música erudita e rock progressivo. Nas festas, dançava-se como John Travolta. Nos lugares mais escuros e alternativos, Beatles e Rolling Stones ainda reinavam, absolutos. As rádios quase não tocavam rock. Por tudo isso, é natural que a grande explosão musical do punk que aconteceu em Londres e Nova York por volta de 1976 não tenha sido escutada em Porto Alegre.
São Paulo, mais cosmopolita, ouviu um pouco, tanto que, na sua periferia, jovens do ABC, em sua maioria filhos de operários, formaram as primeiras bandas. Em 1982, foi realizado o festival O Começo do Fim do Mundo, reunindo grupos que mais tarde lançaram discos importantes, como Cólera, Inocentes, Olho Seco e Ratos de Porão. O barulho desse fim de mundo, porém, também não foi ouvido em Porto Alegre.
Lançado no Brasil com pouca publicidade, o álbum Never Mind the Bollocks, dos Sex Pistols, graças à sua capa maravilhosamente desleixada e ao seu som maravilhosamente sujo, começava a chamar a atenção, mas foi um outro disco, por incrível que pareça brasileiro, e por incrível que pareça de uma banda baiana, que introduziu o punk para muitos porto-alegrenses. Em 1983, o Camisa de Vênus lançou o seu primeiro LP, e muitas das suas canções eram maravilhosamente punks. Eles tinham o som, as letras e a atitude de bandas inglesas e norte-americanas que ainda não eram conhecidas no Brasil, mas eram bem conhecidas de Marcelo Nova.
Para mim, o início do punk foi Pistols e Camisa. E daí para a frente foi um turbilhão sonoro, que todo mundo ouviu. Quando Os Replicantes começaram seus ensaios, em dezembro de 1983, já procurávamos avidamente os discos (ou fitas) de The Clash, Ramones, Dead Kennedyz, Buzzcocks (de quem o Camisa fez algumas versões) e muitos outros. Mas continuávamos ouvindo Camisa de Vênus. Em 1985, conhecemos a banda, em especial o Marcelo e o Robério Santana, que namorou uma gaúcha e morou aqui por algum tempo. Pessoas bacanas, muito bem informadas e que tinham prazer em dividir o palco conosco. O Camisa fez shows antológicos no Araújo Vianna e no Gigantinho e de vez em quando volta pra cá, porque seu público porto-alegrense é fiel. Claro, eles nos ensinaram, na prática, o que era punk rock. Um professor como esse a gente não esquece.