Vem da República Dominicana uma das obras-primas do cinema latino-americano do século 21: Jean Gentil (2010), drama com um pé no documentário sobre o desespero de um haitiano que vaga pela ilha caribenha à procura de emprego (Haiti e República Dominicana ficam em uma mesma ilha, ao sul de Cuba). Seus diretores, o casal formado pelo mexicano Israel Cárdenas e pela dominicana Laura Guzmán, ambos de 34 anos, já haviam demonstrado talento em Cochochi (2007). O terceiro longa que assinam juntos é outra preciosidade que merece atenção dos cinéfilos. Chama-se Dólares de Areia, é estrelado por Geraldine Chaplin e estreia em Porto Alegre nesta quinta-feira, na Cinemateca Paulo Amorim.
Com despojamento impressionante, a atriz de 70 anos interpreta a francesa Anne, que abandonou seu país e decidiu viver na paradisíaca região de Terrenas, norte dominicano. Lá, conhece a adolescente nativa Noeli (Yanet Mojica), por quem se apaixona. A garota tem namorado (vivido por Ricardo Toribio) e sobrevive de mesadas recebidas pelos turistas com os quais se envolve - há também alemães e italianos naquela região sustentada pelo turismo. Prostituição? Exploração? Da parte da mulher madura apaixonada ou do garoto que se sente confortável como cafetão da própria namorada? Dólares de Areia é um filme aparentemente simples sobre o amor impossível, mas que usa as questões morais contidas nessa aproximação de universos opostos para forjar uma dramaturgia complexa e absolutamente rica.
Terrenas é uma área litorânea de praias famosas no mundo todo, situada nas proximidades da reserva florestal Los Haitises. Foi lá, e em vilarejos adjacentes como Samaná, que Israel Cárdenas e Laura Guzmán rodaram Jean Gentil. O novo filme é uma livre adaptação do romance Les Dollars des Sables (2006), do francês Jean-Noël Pancrazi, que olha para os contrastes locais a partir da visão "do outro lado" - no caso, da forasteira europeia. Não chega a trazer um ponto de vista complementar, à medida que os dois longas têm plots bem distintos, mas constrói, junto ao título anterior, um díptico sobre a solidão e os sonhos dilacerados em uma região bela, porém desigual, de deslumbramento, mas também desesperança.
Dólares de Areia tem uma narrativa enxuta e elíptica que, quanto mais penetra na intimidade de seus personagens, mais revela sobre seu contexto. Foi premiado nos festivais de Havana, Cairo e Chicago e escolhido para encerrar a Mostra Internacional de São Paulo do ano passado. É linear e, por isto, acessível. Triste e encantador, aos olhos de todos os tipos de público.
Dólares de Areia
(Dólares de Arena)
De Israel Cárdenas e Laura Guzmán.
Drama, República Dominicana/México/Argentina, 2014.
Duração: 80 minutos.
Classificação etária: 14 anos.
Em cartaz na Sala Paulo Amorim da Casa de Cultura Mario Quintana, em Porto Alegre, às 16h e às 19h30min.
Cotação: ótimo.