Em 2012, Amanda Palmer surpreendeu o mundo da música ao angariar de seus fãs US$ 1,2 milhão em uma ferramenta de financiamento coletivo para gravar um disco - a meta inicial era R$ 100 mil. O segredo da americana foi investir os esforços de divulgação direto nos fãs, em permanente contato pela internet, mesmo antes das redes sociais. A experiência de Amanda em formar uma comunidade de admiradores agora pode ser melhor compreendidacom o livro A Arte de Pedir, em que narra sua trajetória, desde os tempos em que era artista de rua até sua carreira solo, passando por diferentes projetos. Detalhes de seu casamento com o escritor Neil Gaiman também estão presentes, apimentando a narrativa. Nesta entrevista, concedida por telefone, ela fala sobre esses temas.
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Você foi visionária no modo como se relaciona com os fãs, fazendo mailings, publicando em um blog, criando redes de seguidores antes da popularização de plataformas como Facebook e Twitter. Foi algo intuitivo?
Sim, sempre foi natural. Nunca sentei com meu grupo e disse "nossa estratégia será estar conectado com os fãs". Minha formação vem do teatro, onde um artista ajuda o outro. Além disso, a ideia de ser uma popstar, um ídolo afastada do público, não me interessava. O que me atraia em ser uma artista era estar com pessoas, criando uma comunidade. Então, tudo veio muito naturalmente, e a internet desenvolveu as ferramentas para tornar isso mais forte, inicialmente com o MySpace, hoje com Twitter e Facebook. As plataformas mudam, mas o ponto fundamental é o mesmo: faço arte para estar com as pessoas. Não vejo grande separação entre ser artista e fazer o marketing. É uma linha muito difusa.
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No livro, você conta que muitos artistas não se sentiam à vontade para pedir ajuda dos fãs para financiar um disco ou passar o chapéu para receber doações. Isso está mudando?
É uma questão de necessidade. Nos 1980 e 1990, havia um mainstream, um sistema de gravadoras, um esquema comercial que funcionava porque havia pessoas indo até as lojas e pagando US$ 20 por um CD. Isso não existe mais. O que eu argumento sobre essa área bizarra em que vivemos é que acabou a era em que a música gravada era muito custosa e as pessoas precisavam cobrar preços altos por ela. Precisamos voltar para uma época em que a troca e o contato era mais natural, em que a música não era tão cara, mas as comunidades apoiavam mais ativamente os artistas próximos. Músicos da velha guarda trabalhavam para alguém, ou para uma igreja, ou indo de cidade em cidade tocando por sua comida e por um lugar para ficar. Essas ideias estão voltando, mas de um modo mais poderoso, porque a internet está as organizando.
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Plataformas como o Facebook passaram a cobrar para promover postagens. Isso pode tornar mais difícil para artistas iniciantes mostrem seu trabalho?
Por essa razão acredito que o Facebook é um pouco "do mal". Uso o Facebook como uma ferramenta, mas tento com muita força não depender dele. E também tento com toda energia assegurar que existam espaços que não pertençam a corporações como o Facebook para reunir meus fãs. Se você colocar todos os seus ovos nesta cesta, chegará o dia em que o Facebook cobrará para você simplesmente se comunicar. É importante evitar isso.
Em sua opinião, qual é o futuro da música?
Um dos grandes equívocos em relação à indústria da música é achar que há uma grande resposta para esta pergunta. Ao invés disso, o que vejo é que as chances, a moral, a personalidade e o estilo de vida dos artistas são tão diferentes que cada um deles está criando um novo e totalmente único caminho para resolver os problemas advindo deste momento de mudança. Para quem tem personalidade, música e fãs como os meus, Kickstarter e Patreon são grandes ideias. Não cobrar por minhas músicas e captar o dinheiro em outras áreas funciona muito bem. Para outros músicos, como um DJ de música eletrônica, as soluções para divulgar e monetizar o trabalho serão completamente distintas.
Você é criticada por não pagar cachê pela participação de bandas de abertura e convidados especiais em seus shows, fazendo-os passar o chapéu. Como reage a essas críticas?
Tento explicar que o ecossistema dos meus fãs sempre foi muito aberto a curtir os bastidores, tocar em saguões... Meus músicos e minha equipe são sempre pagos, mas estamos sempre criando coisas com voluntários. Vivo num ecossistema em que se dá oportunidade aos fãs de se voluntariar, ajudando, hospedando minha banda, fazendo alguma comida, coisas que tenho feito há anos e anos. Não fico feliz apenas em aceitar essa ajuda, fazer isso é que deixa meus encontros com os fãs tão incríveis, porque as pessoas estão confiando uma nas outras, e não agindo apenas pelo dinheiro.
Neil Gaiman é um personagem importante do seu livro. Como foi para ele ter a intimidade exposta?
Ele me ajudou a escrever o livro. Quando terminei o primeiro rascunho, entreguei a ele e pedi que me ajudasse a editá-lo, incluindo principalmente as seções em que ele aparece, pois queria que ele se sentisse à vontade em relação ao que falava. Dei tempo inclusive para ele reescrever seus próprios diálogos. Aceitei essa colaboração porque queria que ele falasse por si mesmo. Por outro lado, ele não se sentia à vontade em relação a algumas partes, então as cortei. Era importante para mim falar sobre meu casamento, mas não queria de modo algum fazer um retrato falso de Neil e de nossa relação. O modo que encontrei de fazer isso foi inclui-lo no processo.
Há pouco, você e Gaiman divulgaram a notícia de sua gravidez. Como isso pode mudar o modo como você leva sua carreira, já que viaja constantemente e muitas vezes conta com a ajuda dos fãs para conseguir um sofá para dormir?
Acho que, no futuro, quando eu for pedir um sofá para dormir, precisarei de um sofá maior (risos). Honestamente, ainda não sei como será isso. Estou completamente confusa sobre estar grávida. Estou reagindo como tudo na minha vida, esperando as coisas acontecerem e pensando nas soluções em seu tempo.