Desde que o escritor francês Júlio Verne, considerado um dos pais da ficção científica, deu início às suas visões futurísticas da humanidade, há mais de 150 anos, sabe-se que fazer previsões desse tipo é uma arte realmente difícil. Um exemplo disso nos foi oferecido pelo presidente norte-americano Ronald Reagan que, imerso no otimismo tecnológico resultante do abraço entre o gênero literário e o cinema, também entrou na onda das especulações futurísticas.
"Nunca houve uma época melhor para se viver, um momento de vibrantes maravilhas e feitos heroicos. Como foi dito no filme De Volta Para o Futuro, para onde nós vamos, não precisamos de estradas", disse o estadista, em 1986, dando uma amostra do efeito causado pela trilogia cinematográfica produzida entre 1985 e 1990. Porém, como imaginaria o doutor Emmett "Doc" Brown, alguma coisa deve ter interferido no fluxo dos eventos espaço-tempo, fazendo com que 2015 chegasse um pouco diferente daquele mostrado no clássico de ficção científica. Mas foi por pouco. Se ainda não vemos carros voadores circulando pelos ares, e o petróleo ainda não encontrou um substituto dentro da indústria, o certo é que também houve uma porção de acertos.
Para quem não lembra, em De Volta Para o Futuro 2, o cientista Doc Brown (Christopher Lloyd) leva Marty McFly (Michael J. Fox) e sua namorada Jennifer Parker (Elisabeth Shue) em uma viagem no tempo, rumo a 2015. O objetivo: evitar que o filho do casal seja preso. Mesmo que não tenha feito o mesmo sucesso do longa-metragem que inaugurou a série, a sequência, também dirigida por Robert Zemeckis, chamou a atenção por apresentar uma série de tecnologias que, três décadas depois, tornariam-se acessíveis para grande parte da população mundial.
Um dos principais acertos da trama foi ilustrar na telona um pouco daquilo que estudiosos como o sociólogo espanhol Manuel Castells já defendiam: acabamos nos tornando consumidores vorazes de informação, o que terminou por afetar os diversos campos das relações humanas. Afinal, quem não lembra do jovem Marty McFly Jr. imerso em seu óculos de realidade virtual, até mesmo quando está sentado ao lado de toda a família na mesa de jantar?!
Pensando nisso, nós convidamos você a embarcar em uma viagem no tempo para relembrarmos, juntos, alguns dos prognósticos dessa divertida saga cinematográfica. Apertem os cintos, que nosso DeLorean já está com o capacitador de fluxo devidamente calibrado e o futuro, finalmente, chegou!
Skates voadores (realidade)
Desde que Marty subiu em seu skate voador em De Volta Para o Futuro 2, os apreciadores do esporte sonham em experimentar a sensação de flutuar pelas pistas e ruas da cidade. Inspirada pelo filme, a californiana Arx Pax projetou o Hendo, sua própria versão do hoverboard. O protótipo foi testado e realmente funciona. Porém, ao contrário do visto no cinema, ele conta com certas limitações. Além do limite da bateria, que dura apenas sete minutos, sua tecnologia permite que ele flutue apenas em superfícies metálicas. Outra má notícia é que o Hendo custa cerca de R$ 31 mil.
Seus desenvolvedores, no entanto, afirmam que os dispositivos de levitação magnética empregados no projeto poderão ser usados em outros segmentos. Baseada no já conhecido princípio de que polos magnéticos iguais se repelem, a tecnologia deverá ser usada pelo Japão na construção de um trem que, além de ser o mais rápido do mundo, trocará os trilhos pelo ar. A promissora previsão é que ele fique pronto até 2027.
Identificação biométrica (realidade)
Não foi somente no filme que a identificação biométrica se tornou uma realidade. A tecnologia já ganhou usos importantes nos dias atuais, seja na realização de saques em caixas eletrônicos ou em computadores pessoais. No Brasil, por exemplo, ela já vem sendo utilizada em urnas eletrônicas para a identificação de eleitores. Assim como no longa, atualmente, a identificação biométrica também é usada em residências, empresas, e por aí vai.
Cada vez mais reconhecido, o método reutiliza tecnologias já existentes como leitura de impressão digital, escaneamento de retina e reconhecimento de voz. Além de proporcionar maior comodidade aos usuários mais avoados _ que não precisam mais se preocupar em procurar aquele molho de chaves perdido _ a biometria proporciona maior segurança, à medida em que as fechaduras digitais são construídas com material resistente a colisão e só pode ser acessada por um usuário cadastrado.
Imagens 3D (realidade)
Logo ao chegar em 2015, Marty se depara com uma assustadora propaganda holográfica, que anuncia a estreia da sequência Tubarão 19. Esse tipo de propaganda ainda não é usada em larga escala, mas existe. Uma amostra da tecnologia foi apresentada pela Sony, em 2008. Para divulgar o longa-metragem Meu Monstro de Estimação, a multinacional projetou, de forma semelhante, um gigantesco Monstro do Lago Ness na baía de Tóquio, no Japão.
A tecnologia 3D, por sua vez, já se tornou bastante conhecida, principalmente, dos apreciadores da megalomaníaca indústria cinematográfica. Não são poucas as vezes que vemos produções, em especial as de grande potencial de bilheteria, entrando em cartaz em versões tradicionais e em terceira dimensão. Outro acerto foi prever que as sequências cinematográficas se tornariam uma verdadeira febre em Hollywood.
Multiprogramação (realidade)
Marty McFly Jr. é, sem dúvidas, um típico adolescente do século 21. Enquanto não está assistindo a alguma coisa em seu óculos pessoal _ bastante semelhante aos atuais dispositivos de realidade virtual, como o Google Glass e o Oculus Rift _ mata sua sede por informação consumindo, simultaneamente, o conteúdo de diversos canais de televisão.
Aliás, na cena em que a rotina dos McFlys é mostrada, podemos ver uma imensa televisão fixada na parede. Além de populares, muitos desses aparelhos de tela plana encontrados no mercado hoje em dia possuem um sistema de multiprogramação, que permite ao usuário assistir a diversos canais ao mesmo tempo.
Hiperconectividade (realidade)
Comandos de voz, videoconferências e pagamentos via aparelho celular soam naturais hoje em dia. Mas, nos distantes 1980, toda essa tecnologia não ultrapassava os limites do imaginário da ficção científica. Quando os computadores pessoais recém começavam a engatinhar, Robert Zemeckis jogou na tela grande toda a praticidade de telefones com leitores de cartão de crédito, tablets e máquinas fotográficas digitais portáteis. Vai dizer que você não lembrou do Skype quando "Marty do futuro" recebeu uma ligação de seu chefe, que pretendia demiti-lo por meio de uma videoconferência?
Drone (realidade)
Você deve ter vibrado tanto com a prisão do valentão Griff Tannen e sua gangue que, talvez, nem tenha se dado por conta de como tudo é registrado. Enquanto a comemorada cena se passa, o telespectador assiste a câmeras teleguiadas sobrevoando e fotografando as raivosas caretas do vilão. Conhecidos no Brasil também como Vants (Veículo Aéreo Não Tripulado), os drones foram popularizados por sua controversa utilização militar.
Porém, cada vez mais, o uso civil dos aparelhos vem transformando o modus operandi de inúmeros outros ramos, entre eles, o próprio cinema. Com formatos e tamanhos variados, as máquinas voadoras controladas remotamente foram usadas recentemente em diversas tomadas do ganhador do Oscar de melhor filme deste ano, Birdman. O curta-metragem Espelho Hexagonal, gravado em Santa Maria e Tupanciretã, também conta com belas imagens aéreas capturadas por drones.
Roupas inteligentes (realidade)
Em De Volta Para o Futuro 2, o protagonista Marty McFly passa por poucas e boas para escapar do vilão Griff. Numa dessas fugas, o personagem de Michael J. Fox acaba tomando um verdadeiro banho. Porém, isso passou longe de ser um problema.
Vestindo um casaco que ao sentir que está molhado seca rapidamente e sozinho, o jovem não tem nem tempo de reclamar da situação. Além disso, a peça de roupa se ajusta rapidamente às medidas do usuário. Uma verdadeira beleza, não é mesmo? Pena que a invenção ainda não saiu da telona para ganhar as prateleiras de lojas de departamentos. Ao menos por estas bandas.
Nos Estados Unidos, no entanto, o assunto não é exatamente uma novidade. Cientistas da Força Aérea Americana já desenvolveram tecidos especiais que removem sujeira. Usando da nanotecnologia, os pesquisadores criaram tecidos autolimpantes capazes de repelir líquidos, podendo inclusive matar bactérias fixadas na roupa. Apesar de não dispensar a tradicional lavagem, a frequência com que essas peças precisam ir para à máquina é bem menor.
Outro acessório que facilita e muito as fugas de Marty McFly e que poderia ajudar também os atrasadinhos de plantão são os tênis futuristas que apertam os cadarços sozinhos. Eles ainda não são vistos nos pés da molecada. Mas, se depender da Nike, isso não deve demorar para ocorrer. A multinacional, que pagou para ter sua marca exibida no filme, agora, anunciou que o tênis mostrado na telona chegará às lojas ainda em 2015.
Videogames sem joystick (realidade)
O diretor Robert Zemeckis e o roteirista Bob Gale não chegaram a nos apresentar aos jogos do futuro. Mas o desprezo dos dois meninos pelo antigo modelo no qual Marty resolve tirar uma onda em um fliperama, demonstram claramente que os videogames do futuro são como os kinects _ que dispensa a utilização de joysticks _ de hoje. Em tempo, um dos moleques decepcionados pelo fato de o protagonista precisar usar as mãos para jogar é Elijah Wood, estreando no cinema.
Carros voadores (realidade)
"Para o local que a gente vai, não precisamos de estradas". A revelação do Doutor Brown, no apagar das luzes do primeiro filme da série, acaba se confirmando em sua sequência. Em De Volta Para o Futuro 2, o cientista faz suas viagens no tempo a bordo de um DeLorean que voa. Aliás, na produção, até mesmo as rodovias ganharam o ar e cada um tem seu próprio carro voador. Bastante comum em previsões futuristas, como, por exemplo, no filme O Quinto Elemento e no desenho animado Os Jetsons, esse delírio televisivo parece estar mais próximo do que imaginamos.
Ainda não temos tráfego aéreo de automóveis, é verdade. Mas isso não significa que não estejamos tentando. Depois dos carros que dirigem sozinhos, a sonhada revolução automobilística se apoia em diversos protótipos desse tipo para ganhar as ruas, ou melhor, os ares. A empresa norte-americana Terrafugia, por exemplo, anunciou o lançamento do Transition para 2016. O híbrido de carro/avião deve custar cerca de R$ 865 mil.
No final do ano passado, uma empresa da Eslováquia mostrou a quarta geração de seu protótipo AeroMobil em ação. Com asas retráteis, o híbrido também pode circular nas ruas e nos ares. Podendo atingir 160 km/h como carro e 200 km/h como avião, o veículo tem uma autonomia de voo de quase 700 quilômetros. Ainda não há previsão de quando ele será lançado no mercado. Porém, ao que parece, estamos cada vez mais próximos do que disse Henry Ford, fundador da Ford, lá em 1940: "Uma combinação de avião e automóvel está chegando. Você pode sorrir, mas ele virá".
Fusão nuclear (ficção)
O tal capacitor de fluxo é o grande responsável pelo funcionamento da máquina do tempo projetada por Doc Brown. Inicialmente energizado com plutônio, no segundo filme da franquia, o componente ganha a adição do Mr. Fusion (Senhor Fusão, em tradução literal). O dispositivo instalado pelo cientista usa de poderosas reações de fusão nuclear _ as mesmas encontradas no interior das estrelas _ para transformar qualquer porcaria em energia.
De cascas de bananas a sobras de cerveja, tudo vira combustível no DeLorean. Infelizmente, a caixa com três pequenas lâmpadas incandescentes dispostas em um "Y" só existe na ficção. Não há qualquer indício de que tenhamos conseguido produzir energia a partir de fusão nuclear, nem mesmo dentro de laboratórios de pesquisa.
Comida reidratada (realidade)
Atire a primeira pedra quem nunca quis uma máquina que transformasse uma pequena bola de massa em uma enorme e deliciosa pizza! Apesar de ainda não termos aparelhos como o utilizado pelos McFlys, alimentos desidratados que se transformam com a adição de água já existem.
Os astronautas, por exemplo, utilizam esse tipo de comida, pois ela tem maior durabilidade no espaço. Outro tipo de alimento que segue o mesmo conceito é o salvador macarrão instantâneo. Basta adicionar água quente para que aquela pequena porção de massa se transforme em uma refeição. Mas se você, assim como o pessoal do De Volta Para o Futuro, é um dos amantes de pizza, não tem jeito. A melhor forma de se deliciar com essa mais do que popular iguaria da comida italiana, ainda é recorrendo às boas e tradicionais pizzarias.
CURIOSIDADES
- No projeto original, a máquina do tempo construída por Doc Brown foi concebida para ser uma geladeira. Porém, a ideia não foi aceita pelos produtores do filme. Eles tinham receio do que a criançada faria com o eletrodoméstico após assistir ao longa. Foi então que surgiu o DeLorean na história.
- De Volta Para o Futuro passou 11 semanas em primeiro lugar nas bilheterias norte-americanas. O filme ganhou o Oscar de melhores efeitos sonoros. Além disso, foi indicado nas categorias Melhor Roteiro Original, Melhor Canção Original e Melhor Edição de Som.
- Pode não parecer, mas, lá em 1985, o skate não era tão popular. Com dificuldades para encontrar especialistas no esporte, um dos produtores viajou até Venice Beach, onde encontrou Per Wellinder. O então campeão europeu de skate acabou se tornando um dos dublês de Michael J. Fox.
- As gravações de De Volta Para o Futuro 2 e 3 foram realizadas simultaneamente. Os dois filmes foram lançados com apenas seis meses de diferença.
- Quando De Volta Para o Futuro 2 foi lançado, a Flórida não tinha nenhum time profissional de beisebol. Mesmo assim, no almanaque entregue ao jovem Biff contava que, em 1997, um time local ganharia o campeonato nacional do esporte. Como o previsto, o Florida Marlins, fundado em 1993, ganhou seu primeiro título da World Series na data prevista.
- Quando Marty é engolido pela propaganda em 3D de Tubarão 19, percebe-se que o filme é dirigido por Max Spielberg. Uma clara homenagem a Steven Spielberg, um dos produtores executivos de De Volta Para o Futuro, que realmente tem um filho chamado Max.