Eram tempos de grei sem lei. No lado de cá dos aramados quem pode manda e desmanda, quem não pode obedece. Laudelino era um peão de vida andarilheira, onde pendurava o chapéu deitava moradia temporária. Por parco desentendimento, chamou Seu Veriato Terra de piolhento enquanto guardava os arreios no galpão. O tempo ficou armado para temporal.
A insolência era de porte e não poderia ficar assim por meia pataca. Um dia, através de vozes inconfidentes, chega às terras do Seu Terra a notícia da pestilenta ofensa. Os capangas, obedecendo às ordens, amarraram as mãos do Laudelino e atravessaram uma ripa de angico. Ao anoitecer, levaram o homem aos trompaços para a beira do algibe fundo e abandonado. Foram necessários cinco homens para dar conta do serviço. Altivo e petulante, chegou Seu Veriato.
- Atem a corda na roldana e matem a sede do insolente. Ou ele bebe e engole essas ofensas ou será engolido pelas águas.
Nada como um mergulho pra esfriar um descarado atrevimento. Os olhos do Laudelino eram isqueiros faiscando ódio. Rangiam os eixos da roldana e as mãos do destemido, postas lá em cima, numa posição que, sem ser reza, mais lembrava um esconjuro. À medida que o homem imergia da boca do poço, o ofendido perquiria:
- O que eu sou, seu desaforado?
Vinha lá do turvo das águas profundas a resposta envolta em eco, ira e valentia:
- Piolhento!
O homem indo a pique já estava com água pelo queixo, e a mesma pergunta obtinha igual resposta:
- Piolhento!
Já de todo submerso, ainda eram de se ver as mãos atadas do peão numa mímica arrogante, juntando as unhas dos polegares naquele gesto típico que se faz para estalar os piolhos. Retirado do poço, foi largado fora da porteira com a honra enxuta e as vestes encharcadas. Troteando pela estrada, de quando em vez, largava um berro daqueles de perfurar a garoa chuvinhosa: piolheeeeeentooooooo! E o matungo seguia pelo acostamento, sem rumo nem paradeiro. Que cuera destemido esse Laudelino, não é qualquer aguinha de poço que iria desfazer sua insolência!