Participei de diversas manifestações políticas ocorridas por este mundo afora, ora me engajando, ora como simples observador: a Revolução dos Cravos, o Solidariedade, a Revolução de Maio, a Primavera em Praga, a morte do General Franco, a deposição do Allende e depois a do Pinochet, o Comício dos Cem Mil, a marcha dos cara-pintadas e por aí vai. E o melhor é que acreditávamos no que fazíamos. Tínhamos a mais absoluta certeza de que poderíamos melhorar o mundo, torná-lo mais inteiro, mais humano, contribuir para que as pessoas se tornassem mais íntegras. A política é desgastante, cheia de conflitos e, na maioria das vezes, traiçoeira. Por isso, chegou o momento em que optei por me isolar neste meu mundo longe do mundo. Não tenho jornais diários, revistas semanais, luz elétrica, mas a tranquilidade do meu rancho, da minha biblioteca, onde passo a maior parte dos meus dias.
Nenhum homem é uma ilha por mais que se isole. Todos guardamos afetos, lembranças e, lá de quando em vez, surge a vontade de saber como anda o mundo do outro lado deste onde vivo. Aí apelo para o meu rádio de pilha, única forma de comunicação, e por meio dele tento me conectar com o que se passa longe, muito longe deste interior.
E percebo que o velho mundo está um caos. Que os ideais pelos quais sustentávamos barreiras e esforços não mais existem. A mesquinharia e a luta pelo poder geram sangrentas revoluções e matam, matam como se os homens fossem mercadorias ou brinquedos. E tomo conhecimento do acontecido em Paris, da matança indiscriminada de crianças, da fome corroendo a existência de milhares de pessoas. O que levou o homem a isso? Quando o humano deixou de ser humano para se transformar em uma animalidade sem fim?
Não, não é para isso que tenho um rádio de pilha. Mais do que saber sobre a morte, quero conhecer o que há de vida. É para isso ele serve quando escuto uma música clássica ou um clássico da música popular. Aí a vida aflora, e eu posso recordar os amores que ficaram pelos caminhos.