Confira entrevista com Aderbal Freire-Filho, diretor do espetáculo de dança Caprichosa Voz que Vem do Pensamento, em cartaz em Porto Alegre:
Sendo sua primeira incursão na direção de dança, você mudou algo no seu processo de trabalho?
Mesmo no teatro, eu me considero um coreógrafo. Um coreógrafo das palavras, das ações, dos signos. Em outras palavras: a poética dos meus espetáculos deve seus significados à "dança" que procuro criar entre os atores, o que eles dizem, o que eles fazem e por que dizem e fazem. Nessa minha aventura no mundo da dança, continuo no palco, continuo com atores-personagens, continuo procurando significados. Só a palavra cede o protagonismo à dança e à música. E, pra me sentir mais próximo ainda, estou dialogando com quem dialogo há muitos anos no campo da música: o Tato (Taborda) é meu parceiro, o criador das músicas da maioria dos meus espetáculos há mais de 20 anos. Aqui, assim como eu me aventuro no universo da dança, ele também se aventura: um ator-músico-compositor-dançarino. E nós dois temos uma referencia e uma inspiração que nos conduz no espetáculo: a extraordinária bailarina Maria Alice Poppe.
Caprichosa Voz que Vem do Pensamento estreia em Porto Alegre
Embora os movimentos do espetáculo sejam abstratos, vocês trabalharam com algum tipo de dramaturgia, mesmo que sutil?
Procuramos criar uma dramaturgia, partindo de algumas ideias originais, desenvolvendo essas ideias nos ensaios, reorganizando a cada passo (a cada passo!) uma estrutura dramática. Não tenho dúvidas: o espetáculo tem uma dramaturgia, e cada parte dele é uma cena que, de alguma forma, se liga às outras.
O quanto há de ensaiado e de improvisado no espetáculo?
A Maria Alice e o Tato, antes da minha chegada, desenvolveram um diálogo música-dança, em que improvisavam de parte a parte. Um movimento da Maria Alice levava o Tato a criar um som, um novo fragmento musical do Tato levava a uma improvisação da Maria Alice. Depois, ao mesmo tempo em que fomos criando uma dramaturgia, fomos definindo a música e a dança. O espectador vai ver um espetáculo de cenas muito precisas, mas o espaço da improvisação continua existindo dentro de cada cena.
Poderia comentar as referências - textos, músicas, etc. - que embasaram o trabalho?
Tivemos algumas referencias de texto, um poema do Walt Whitman sobre o corpo elétrico, muitas coisas mais. Mas o espetáculo tem uma referência principal, central, fundadora: o contista uruguaio Felisberto Hernández. Sou leitor há muitos anos dos contos de Felisberto Hernández, e a Maria Alice e o Tato também se apaixonaram por ele. Ele, além de escritor, era pianista. Na verdade, essa era sua profissão, um pianista que se apresentava em várias cidades do Uruguai. E, ao mesmo tempo, muitas vezes nos hotéis, nas viagens, escrevia uma literatura surpreendente. Seus contos têm uma modernidade incrível, abrem caminhos que misturam realidade e fantasia, e cada dia mais ele é visto como um pioneiro da literatura latino-americana. O próprio nome do espetáculo - Caprichosa Voz que Vem do Pensamento - é uma variação de uma frase, um verso, de Felisberto Hernández. E são especialmente contos dele que dão eixo ao espetáculo.
Quais são seus próximos projetos? Tem previsão de retornar ao Rio Grande do Sul?
Meu próximo projeto no teatro será, no segundo semestre, a montagem da peça Ciels, do mesmo autor de Incêndios, Wajdi Mouawad. Certamente iremos ao Rio Grande do Sul com esse espetáculo, mais provavelmente no primeiro semestre de 2016. Resolvi dar um tempo nos projetos de teatro que tinha programado para o primeiro semestre para me dedicar quase inteiramente ao meu programa de TV, que escrevo, apresento e co-edito (Arte do Artista, na TV Brasil, retransmitido pela TVE-RS). É quase um documentário de meia hora por semana. Além disso, quero terminar uma peça que comecei a escrever e tive que deixar de lado por falta de tempo, e que quero montar em 2016.
Agora que Juca Ferreira assumiu novamente o Ministério da Cultura, quais as mudanças que você acredita que devem ser feitas na política cultural brasileira?
O campo de ação de um ministério da cultura é vastíssimo. O Brasil só será um país verdadeiramente grande quando afirmar sua cultura e sua arte. O Juca Ferreira foi um ótimo ministro da cultura, foi quem criou verdadeiramente o ministério, dando a ele uma estrutura, meios de aproximação com os focos culturais, dimensão nacional, vias internas e externas de comunicação, transparência. Ou seja, ele preparou o terreno para que se conheça e reconheça a grandeza da cultura e das artes do país. E o que espero agora, na sua volta, é a continuação e a ampliação desse processo.
Notícia
"Mesmo no teatro, eu me considero um coreógrafo", diz o diretor Aderbal Freire-Filho
Encenador dirige o espetáculo de dança "Caprichosa Voz que Vem do Pensamento", em cartaz em Porto Alegre
Fábio Prikladnicki
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