No Carnaval de 1953, a Portela levou para a avenida o enredo Seis Datas Magnas e conquistou a vitória com um desfile exemplar, recebendo a nota máxima da comissão julgadora em todos os quesitos, feito até então inédito. Para muitos o desfile mais perfeito da história da escola foi embalado por um samba-enredo que conquistou o público logo de cara. Autor: um garoto de 17 anos chamado Antônio Candeia Filho, que se tornaria um dos maiores sambistas de todos os tempos, mesmo com uma obra relativamente breve. Ele morreria em 1978, aos 43 anos, por problemas renais - vivia em cadeira de rodas desde 1965, paralítico devido a um tiro na coluna. Gravou apenas cinco LPs, o último lançado pouco depois da morte.
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Em agosto próximo, Candeia completaria 80 anos. Já não é lembrado pelo público em geral, a não ser que se cite alguns de seus sucessos, como Preciso me Encontrar, gravado por Marisa Monte; Filosofia do Samba, por Paulinho da Viola; O Mar Serenou, por Clara Nunes; e Viver, por Teresa Cristina. Mas, além do fato de ser cada vez mais lembrado por jovens como Teresa ("Comecei a cantar por causa dele", diz ela), o recente lançamento da caixa Sou Mais o Samba, com cinco CDs, poderá avivar a memória de quem acompanhou a movimentação musical dos anos 1970 e aguçar a curiosidade pela vida e a obra do compositor, marcada por uma certa amargura, a consciência política e a defesa ferrenha da cultura negra brasileira.
A caixa contém os três primeiros álbuns, Autêntico Samba Original Melodia Portela Brasil Poesia (1970), Seguinte...: Raiz (1971) e Samba de Roda (1975). Neste, Candeia vai além do samba, cantando jongos, pontos de macumba e maculelê. Os outros dois discos são montagens atuais, com músicas gravadas por outros intérpretes, como Elizeth Cardoso e Elza Soares, e faixas extraídas de participações em álbuns coletivos. Os dois últimos LPs de Candeia (1977 e 78), da gravadora Warner, lamentavelmente seguem inéditos em CD. Ele também está em discos de Beth Carvalho, Alcione, Dudu Nobre e Zeca Pagodinho. Mas vale a pena ouvir sua voz grave cantando sambas tão particulares. No Google, há variada informação sobre sua rica e dramática história.
SERVIÇO
Sou Mais o Samba
De Candeia
Caixa com cinco CDs, Discobertas, R$ 110,90
Soco em faca de ponta
Como algumas pessoas sabem, estou nesta história de acompanhar a música de Porto Alegre há uns bons 40 anos. Sei que, com as exceções, viver de música por aqui é um problema. Olho em volta, grandes músicos, e vejo dificuldades cada vez maiores. Isso me deixa triste, porque passam os anos e a questão persiste. Vivemos em um Estado que anda para trás, não se vê perspectiva boa. Tanto tempo sem sair do mesmo lugar. Alguns dos que fazem sucesso compartilham desse andar para trás e não querem mudar. Quem quereria? E me pergunto: como sobrevivem grandes músicos não amparados pelo guarda-chuva tradicionalista? Não sei. Só sei que não circulam em camionetas. Só sei que não têm espaço no Interior, exceto em uma ou outra ocasião. Só sei que não conseguem patrocinadores.
E aí, compartilho trechos do e-mail de um destacado músico, cujo trabalho está ligado à questão gaúcha, sem ser um tradicionalista, e que pode valer pela maioria: "De uns tempos pra cá, são poucos convites para apresentações, a dificuldade na questão da venda de shows e discos e é uma coisa que vem me cansando física e psicologicamente. Até tempos atrás, eu me virava mais ou menos bem, mas aí veio o primeiro filho e logo o segundo, e a vida foi tomando um rumo difícil na questão financeira. Ficou uma imensa frustração ter que sair de casa pra ganhar uma mixaria nos bares, onde ninguém presta muita atenção, ou ficar meses produzindo show em teatro e não conseguir pagar nem o iluminador! Tenho 15 anos de estrada, vários discos e nenhum dinheiro guardado. Chega uma hora em que a teimosia vira soco em faca de ponta".
Vou voltar a esse assunto futuramente.
ANTENA - LANÇAMENTOS
PATATIVA
Ninguém é Melhor do que Eu
Desde menina conhecida como Patativa (nome de um passarinho), a maranhense Maria do Socorro Silva é figura lendária das rodas de samba de São Luís. Mas só agora, aos 77 anos, grava o primeiro disco, graças ao conterrâneo Zeca Baleiro. Com aquela voz "primitiva" das cantadoras populares, ela é mesmo impressionante - sua música tem a força telúrica de mulheres como Clementina de Jesus e Helena Meireles. Produzido pelo competente Luiz Jr. (também arranjos, violão, cavaquinho, banjo), o álbum reúne 12 sambas de levadas diversas e sempre dançantes, e um cacuriá (ritmo do Maranhão) de letra alegremente maliciosa, Xiri Meu: "Menina da saia verde/ Casaco da mesma cor/ Pega no meu de mijar/ E bota no teu mijador". Aliás, as letras são sempre curtas, simples e diretas, segundo Patativa para serem facilmente decoradas. Baleiro, Simone e Zeca Pagodinho fazem participações especiais. Saravá Discos, R$ 25
JOÃO SENISE
Abre Alas - Canções de Ivan Lins
Segundo álbum do cantor carioca que é simplesmente filho de Mauro Senise e enteado de Gilson Peranzzetta. Se no primeiro CD (2013) ele gravou standards do jazz, nesta produção de luxo mergulha na obra de Ivan Lins (e parceiros), que dividiu muitos palcos e estúdios com seus pais. Abre Alas, faixa de abertura, no início trai o ouvinte, pois a voz lembra muito Ivan. Há essa semelhança, mas as marcas da personalidade de João são o tom grave e o timbre aveludado. Entre as 14 do roteiro estão Bilhete, Madalena, Lembra de Mim, Vitoriosa, Dois Córregos, Doce Presença, Olhos pra te Ver e Ai, Ai, Ai. Convidados: Dori Caymmi, Leila Pinheiro, Zélia Duncan, Leo Jaime e, claro, Ivan. Nos finos arranjos de Peranzzetta, um dream team instrumental: Zeca Assumpção, Paulo Sérgio Santos, Jota Moraes, João Cortez, Dirceu Leite, Quarteto Radamés Gnattali e, claro, Mauro Senise. Distribuidora Fina Flor, R$ 30
RONALDO BASTOS
Alta Costura
Você está entre os que acreditam que os anos 1980 foram inteiramente dominados pelo rock brasileiro? Há controvérsias, como quer provar este disco, cujo subtítulo é "O prét-à-porter pop romântico de Ronaldo Bastos". Eternamente ligado ao Clube da Esquina, mas um de nossos mais democráticos letristas, Ronaldo concentra aqui sucessos daquela década feitos com 15 parceiros e lançados por 21 intérpretes. Na verdade, duas ou três faixas são posteriores, adotadas por seguirem o mesmo espírito. Embora mescle gravações diferentes, com arranjadores e músicos diferentes, algumas registradas só em trilhas de novelas, o CD tem grande unidade. É um divertido puzzle musical, com Um Certo Alguém, Chuva de Prata, Todo Azul do Mar, Sorte, Seguindo no Trem Azul, Nada Mais (Lately) e tal, cantados por 14 Bis, Gal, Lulu, Ed, Sandra de Sá, Bethânia, Fafá, Zizi, Simone, Roupa Nova, Erasmo, Celso Fonseca e tal. Dubas/Universal, R$ 30