Era 1959 e eu andava por ruelas e becos de Roma, tarde da noite. Cheguei numa esquina iluminada. Um set de filmagem! Quem seria? Identifiquei o Fellini. Ele filmava de fora para dentro de um bar onde o Marcello Mastroianni falava ao telefone. Fellini interrompia a cena, pedindo ao Mastroianni que enrolasse um fio de cabelo enquanto falava. Enrolar um fio do cabelo era um gesto típico do próprio Fellini. (Confirmado: Mastroianni sempre foi o que Fellini se imaginava).
O filme era La Dolce Vita. Na cena do telefone, Mastroianni procurava, desesperadamente, um lugar onde levar a Anita Ekberg. Se me lembro bem do filme, ela fazia o papel de uma atriz que Marcello ciceroneava em Roma. Havia uma real possibilidade de haver sexo entre os dois - se apenas ele conseguisse um lugar, e ela topasse. Mas Anita não parecia estar a fim. Enquanto Marcello telefonava, ela afastava-se do bar. Encontrara um gatinho branco, que aninhara nos grandes seios que quase saltavam do vestido preto decotado. Quando Marcello sai do bar não vê Anita. Procura-a nas imediações e dá com ela na magnifica Fontana di Trevi. Dentro da Fontana, com água pela cintura. Ele vai atrás dela, dentro da água.
Eu não estava sozinho na plateia da filmagem e na admiração dos seios que quase saltavam do decote. Apesar de ser tarde da noite, uma multidão cercava a Fontana. O italiano ao meu lado expressou o sentimento da maioria ao comentar: "Che petone, che petone". E todos os homens ali entenderam o gesto do Mastroianni, pulando dentro da fonte atrás da Anitona. Por uma mulher daquelas fariam qualquer coisa.
Ela era uma grande mulher em todos os sentidos, no tamanho e na beleza. Da categoria sonho de seminarista, uma mulher total. O filme do Fellini é sobre sete noites de pecado e sete manhãs de remissão, e a cena da Fontana acaba numa dessas manhãs brochantes. Mastroianni, afinal, não comeu a Anitona no filme. Já todos nós, na imaginação, sim. E muito.