Está bem ali, na página 118 de O Irmão Alemão, o livro de Chico Buarque. Um personagem ouve uma conversa telefônica: "...creio surpreender um acesso de fúria de Henri, por trás das janelas sempre fechadas. Mas quando madame Beauregard abre a porta, antes mesmo que eu toque a campainha, o berreiro do marido não passava de uma chamada interurbana em alemão: vou lhe remeter as partituras de Ravel pelo correio rápido, com recomendações ao maestro Köllreuter!".
O nome saltou da página. "Köllreuter"! Só pode ser o maestro Koellreutter, Hans-Joachim Koellreutter, professor, maestro, compositor, mestre da música brasileira do século passado. Como no livro de Chico até os personagens reais têm nomes levemente alterados, se justifica a alteração da grafia do nome do maestro.
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Mas que só pode ser ele, ah, só pode. Na época em que se passa o episódio do livro, o maestro estava fora do Brasil, o que justifica também a remessa de partituras "pelo correio rápido". De repente, o livro de Chico deixa de ser uma memória dos tormentos da ditadura brasileira e abre uma porta, uma janela que seja, para a música brasileira.
Uma vez fiz uma conferência sobre Koellreutter na presença do próprio, "A música brasileira antes e depois de Koellreutter", pois foi essa precisamente a importância do professor na música do século passado - um divisor de águas. Depois de ouvir atentamente o que eu falara, o maestro pediu que eu deixasse uma cópia da conferência no seu hotel, pois "O seu texto é muito denso...", foi o que me disse com seu sotaque carregado e característico de músico alemão de outros tempos.
Não é a única janela musical que o livro de Chico abre momentaneamente. Lá na página 160 de O Irmão Alemão está: "Mas após algum tempo sem novidades era natural que a campainha me fosse quase indiferente, como deve ficar surdo aos sinos quem mora atrás da catedral". Nem sempre, nem sempre. Pois não consegui deixar de pensar em Arvo Pärt, que construiu toda a sua obra musical ouvindo e reouvindo os sinos, sem nunca deixar-se ficar surdo a eles...
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Coluna
Celso Loureiro Chaves: "O livro de Chico Buarque abre uma porta para a música brasileira"
O colunista escreve quinzenalmente para o 2º Caderno
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