Os limites da ciência podem ser tão amplos quanto os da imaginação. Pelo menos é assim na literatura, onde imensos dirigíveis podem rasgar os céus de Porto Alegre a mais de 300 km/h levando mais de 200 passageiros - isso ainda nos anos 1910. É o que se vê em A Lição de Anatomia do Temível Dr. Louison (Fantasy, 320 páginas, R$ 34,90), de Enéias Tavares.
O livro, que tem sessão de autógrafos na Capital prevista para outubro, é o primeiro romance steampunk ambientado no Rio Grande do Sul. Assim como o steampunk, que costuma ter narrativas ambientadas em um passado cheio de geringonças tecnológicas, muitos outros subgêneros da ficção científica colocam as mentes de escritores brasileiros e do Exterior a trabalhar.
- As dezenas de subgêneros da ficção científica são, de certo modo, formas de tentar compreendê-la e de ter algum controle, uma vez que se trata de um gênero literário rebelde e desafiador para os autores - explica Cesar Silva, autor do Anuário Brasileiro de Literatura Fantástica.
Embora muitos autores não gostem de ser rotulados, outros usam as subdivisões a seu favor, como um facilitador para encontrar leitores.
- Um dos motivos de ter escolhido o steampunk é o fato de que eu queria que meu livro fosse popular, direcionado para jovens adultos - conta Tavares.
Conheça aqui cinco dos mais populares subgêneros da ficção científica:
Saiba um pouco mais sobre cada subgênero:
Cyberpunk
Suas tramas se passam em sociedades nas quais a ciência e a tecnologia se desenvolvem de modo radical, impactando a vida cotidiana e invadindo até mesmo o corpo humano. O desenvolvimento se dá às custas de uma profunda dependência de mecanismos digitais e de uma aguda desagregação social. Os protagonistas são geralmente indivíduos que cultivam a descrença na tecnologia e, com sua inteligência e ousadia, impõem-se contra o status quo dominante. O termo foi cunhado nos anos 1980 e sua grande popularidade acabou por dar origem a outros subgêneros, como o popular steampunk, e o ainda obscuro dieselpunk, focado em narrativas ambientadas no anos 1930 e 1940.
Top 3: Neuromancer (1984), de William Gibson, Nevasca (1992), de Neal Stephenson e Jogador Número 1 (2011), de Ernest Cline
Na linha de frente: O americano Philip K. Dick (1928 - 1982) é apontado como um dos precursores do cyberpunk, que tem William Gibson e Neal Stephenson entre os grandes expoentes. No Brasil, Luiz Bras e Fábio Fernandes são alguns dos destaques.
Steampunk
Muitas histórias são ambientadas no século 19, em reconstituições que remetem à era vitoriana, com sociedades secretas e mecanismos movidos a vapor (steam, em inglês) com capacidades muito mais impressionantes do que os atuais recursos digitais. Também é comum que as narrativas façam uso de personagens reais do passado e da ficção - A Lição de Anatomia do Temível Dr. Louison, por exemplo, retoma o protagonista de Recordações do Escrivão Isaías Caminha (1917), de Lima Barreto. O visual retrô que povoa o imaginário do subgênero tem conquistado cada vez mais fãs no Brasil, que já conta com um Conselho Steampunk em mais de 10 Estados - os participantes entusiastas costumam comparecer caracterizados com roupas de época nos encontros.
Top 3: A Máquina Diferencial (1991), de William Gibson e Bruce Sterling, Boneshaker (2009), de Cherie Priest, Mortal Engines (2012), de Philip Reeve
Na linha de frente: Alguns dos mais ativos autores são o canadense Stephen Hunt e a americana Cassandra Clare. Entre os nacionais, há nomes como Flávio Medeiros e Enéias Tavares.
Weird
Um dos subgêneros que mais têm conquistado escritores brasileiros está ligado à ficção científica do início do século 20, quando o gênero literário ainda era muito vinculado às narrativas de horror e fantasia. Na década de 1990, autores como o italiano Valerio Evangelisti e o inglês China Miéville voltaram a usar elementos típicos do subgênero, como o aparecimento de eventos sobrenaturais inexplicáveis, em cenários futuristas - que podem remeter ao cyberpunk. Os livros de Evangelist e Miéville inspiraram novos autores, configurando um movimento que passou a ser chamado de new weird.
Top 3: O Chamado de Cthulhu e Outros Contos (1926), de H. P. Lovecraft, Rei Rato (1998), de China Miéville e O Inquisidor (1994), de Valerio Evangelisti
Na linha de frente: H. P. Lovecraft (1890 - 1937) é o mais citado autor do subgênero. No país, jovens autores como os gaúchos Cesar Alcázar e Duda Falcão têm se destacado.
Space Opera
É um dos mais populares subgêneros de ficção científica. O termo foi criado ainda nos anos 1940, como uma forma de deboche aos clichês presentes em tais narrativas, que passaram a ser chamadas de "novelões científicos". Viagens de espaçonave, vida em outros planetas e seres exóticos são alguns dos elementos mais trabalhados. Em muitos desses contos e romances, o amor pode ser um fator central para o desenvolvimento da história. Muitos clássicos da ficção científica podem ser classificados sob esse rótulo, como títulos de Isaac Asimov e Frank Herbert.
Top 3: Fundação (1951), de Isaac Asimov, Tropas Estelares (1959), de Robert Heinlen e Duna (1965), de Frank Herbert
Na linha de Frente: Além de destaques internacionais, como Asimov e Herbert, Roberto de Sousa Causo e Gerson Lodi-Ribeiro são importantes nomes nacionais.
Tupinipunk
Subgênero de origem brasileira, abarca livros que discutem o impacto da tecnologia na vida dos cidadãos do país. O termo foi cunhado por Roberto Causo, especialista em ficção científica, para se referir a romances como Santa Clara Poltergeist, do carioca Fausto Fawcett, espécie de cyberpunk que expõe as contradições e a violência do país. A ideia foi retomada no Manifesto Antropofágico da FC Brasileira, escrito pelo autor Ivan Carlos Regina e publicado em zines dos anos 1980, propondo narrativas que valorizassem cenários e a cultura do Brasil. Alguns autores abraçaram a proposta, enquanto outros a consideraram patrulhamento ideológico.
Top 3: A Terceira Expedição (1987), de Daniel Fresnot, Santa Clara Poltergeist (1990), de Fausto Fawcett e O Fruto Maduro da Civilização (1993), de Ivan Carlos Regina
Na linha de frente: Embora não seja assumidamente enquadrado no tupinipunk, Fausto Fawcett segue sendo um dos autores que mais se encaixam nos parâmetros do subgênero, lançando o romance Favelost, em 2012.