Com 45 anos de carreira (ou 50, se contar um período afastada), a coreógrafa e professora Eva Schul, 66 anos, não diminuiu o ritmo de trabalho.
- Hoje, comecei às 8h e irei até as 23h - conta, pouco antes de receber uma turma de alunos na sala 209 da Usina do Gasômetro, em Porto Alegre, espaço que sua Ânima Cia.
de Dança compartilha com outros grupos.
Uma das pioneiras da dança moderna no Brasil, Eva tem sua trajetória homenageada com o projeto Corpo e Memória, que será encerrado neste sábado (5/7), às 20h, na própria sala 209. Haverá exibição de documentário sobre sua carreira na série Figuras da Dança (produzida pela São Paulo Companhia de Dança) seguida da reapresentação do espetáculo Dar Carne à Memória II, com recriações de coreografias suas. Tudo com entrada franca, por ordem de chegada.
Eva está trabalhando, ao lado de Fernando Campani, no espetáculo inaugural da recém-criada Cia. Municipal de Dança de Porto Alegre, uma antiga demanda da comunidade cultural, que deverá estrear em novembro. Enquanto isso, a Cia. Ânima realiza mostras de processo da criação do novo espetáculo, Acuados, sobre as relações de poder no dia a dia, ainda sem previsão de estreia. Em setembro, durante o 21º Porto Alegre Em Cena, o público terá uma nova oportunidade para assistir a outros dois trabalhos de Eva: Tão Longe, Tão Perto, Tão Perto, TÃO..., sobre a mania de espiar a vida alheia, e Miragem, que esteve na programação do projeto Corpo e Memória.
- Cada vez mais, abandono o espetacular e vou para um diálogo tête-à-tête, direto. Não quero discursar no palco, e sim trocar ideias com o público. É um trabalho muito mais artesanal, delicado - diz.
Nascida em Cremona, na Itália, filha de judeus húngaros que fugiram do nazismo, Eva chegou ao Brasil ainda criança. Estudou dança nos Estados Unidos, na Argentina e no Uruguai. Os anos 1960 foram de busca por uma linguagem pessoal, distante da dança clássica que a desagradava pela ausência de espaço de criação para os bailarinos. A década seguinte foi de teoria: era a época das rupturas pós-modernas, que ela vivenciou em Nova York. A sedimentação de uma estética própria veio nos anos 1980, quando ajudou a criar os cursos de Dança e de Teatro da Fundação Teatro Guaíra, em Curitiba, em convênio com a PUCPR. Em 1991, já de volta a Porto Alegre, criou a Ânima Cia. de Dança e envolveu-se com política cultural, tornando-se uma importante liderança na área. Eva ainda lembra dos anos dourados em que os espetáculos de seu grupo MuDança, referência na cultura gaúcha nos anos 1970, lotavam o antigo Teatro Leopoldina:
- Tinha um público jovem que queria ver o que fazíamos. Primeiro, porque se identificava. Tínhamos uma linguagem mais interessante do que a dança clássica e o jazz. Mas também porque tínhamos uma linguagem política. Até hoje, meus espetáculos são muito em cima das relações humanas e de posicionamentos filosóficos.
Ela avalia que o público "enxugou barbaramente" nas últimas décadas, e não apenas na dança. Os culpados, segundo a professora e coreógrafa, são a televisão e a educação que, durante a ditadura militar, descartou a filosofia.
- A ditadura destruiu de duas a três gerações. Ainda não nos recuperamos. Vejo que, na minha casa, onde se discute política, literatura e filosofia, ainda não consegui que meus filhos tenham a mesma intensidade que eu nessas questões.
Para Eva, os artistas foram obrigados a se tornar burocratas, especializados em captação de recursos. E o financiamento público, em sua opinião, é escasso. Mas não há nada que a desanime. É uma apaixonada pelo que faz:
- Eu me considero uma professora acima de tudo. Sou coreógrafa e fui bailarina, mas gosto mesmo é de formar gente.
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Fábio Prikladnicki
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