Confira galeria de fotos de Sioma Brieitman:
Moçoilas florescendo em seus 15 anos, rapagões de queixo erguido mirando o infinito, jovens noivas rodopiando o vestido. Houve um tempo em que era preciso registrar para a posteridade aquele instante de emoção única capaz de ser relembrado em detalhes no decorrer dos anos. Mais solene ainda se a pose fosse diante da câmera de Sioma Breitman (1903 - 1980), fotógrafo que assinou alguns dos mais icônicos retratos de pessoas e cenas cotidianas do Estado entre os anos 1920 e 1950.
Para destacar o legado de Sioma e o poder das imagens captadas por ele como gatilho disparador das memórias de seus retratados, foi realizado o documentário Sioma - O Papel da Fotografia. O curta-metragem terá lançamento nesta terça-feira, às 19h, na Sala P.F. Gastal da Usina do Gasômetro.
Com direção de Eneida Serrano e Karine Emerich, a produção com 15 minutos de duração tem como motor narrativo o reencontro de alguns personagens de Sioma consigo mesmos na flor da idade. Estão diante desse espelho temporal figuras como o folclorista Paixão Côrtes, que se postou de peito estufado diante de Sioma. A senhora Jane Birmann Dorfman se vê como adolescente graciosa, enquanto Lucila di Primio Conceição reacende a emoção sentida às vésperas de subir ao altar
Dois desses narradores são os octogenários Samuel e Irineu Breitman, filhos do fotógrafo. Eles lembram a chegada do ucraniano Sioma à América do Sul, em 1922, em Buenos Aires, e, no ano seguinte, em Porto Alegre, onde conheceu sua mulher e instalou com o pai, também fotógrafo, o primeiro estúdio. Entre 1929 e 1937, a família viveu no Interior.
Na volta à Capital, Sioma abriu seu famoso estúdio na Rua da Praia, 1.281, parada obrigatória, destaca Eneida, dos que queriam fazer um caprichado álbum de fotos. E ficavam segundos imóveis por ali, em poses precisamente coreografadas para obter o exato efeito de luz e sombra e o "tom épico" característicos do trabalho do fotógrafo. Muitos dos personagens impressos nas galerias de rostos de Sioma eram figuras que ele pescava pela cidade buscando o rosto inusitado.
Um desses anônimos foi o engraxate José Carlos Cardoso, preservado em sua infância na fotografia chamada "Negrinho José". E foi por causa dele que o documentário de Eneida e Karine foi feito.
- Eu tinha o projeto de fotografar personagens do Sioma, para fazer esse espelhamento entre passado e presente. Em 1979, vi uma nota sobre uma exposição do Sioma em que ele aparecia com um homem de 40 anos, que havia se apresentado como o menino daquela fotografia. Decidi encontrar o "Negrinho José", e alguém me disse que essa busca renderia um filme. Para isso, eu precisava da ajuda de alguém que soubesse lidar com a linguagem cinematográfica - diz Eneida, um das fotógrafas mais conhecidas e premiadas do Estado, a respeito da parceria com a cineasta Karine.
Foi uma "busca louca" de dois anos por Cardoso. Eneida seguiu pistas pelo bairro Restinga até encontrar Cardoso vivendo como morador de rua no Viaduto Otávio Rocha, no Centro. Entregou-lhe a velha foto, cena registrada no documentário, e ouviu dele a lembrança emocionada: "Sou eu mesmo. Agora sou o "Pai Velho".
Eneida diz que o documentário é também uma forma de sublinhar a fotografia como ato solene:
- Sou adepta das transformações digitais, mas penso que, se uma caixa com fotografias for achada daqui a muitos anos, elas podem até estar deterioradas, mas ainda vão contar uma história.
O curta vai ser inscrito no Festival de Gramado. Na sequência, Eneida planeja retomar o projeto de um livro sobre Sioma.
Lendas andam por aí
Ricardo Chaves
ricardo.chaves@zerohora.com.br
Uma das primeiras iniciativas concretas que tomei quando em 1966, aos 15 anos, comecei a me interessar por fotografia, foi garantir minha inscrição como participante de um ciclo de palestras sobre o tema, promovido pela Associação Rio-grandense de Imprensa (ARI). Uma pequena nota de jornal me despertara a curiosidade e, como meu pai, Hamilton, era jornalista associado, lá estava eu para ouvir os palestrantes e ver seus trabalhos.
Lembro bem que um deles, um tal de Sioma Breitman, mostrou com orgulho e entusiasmo fotos feitas por ele na Europa. Eram cópias primorosas no mais tradicional preto & branco e com aquele estilão dos "salões de fotografia" que aqui só se encontrava em páginas de revistas importadas sobre "arte fotográfica".
A fotografia se tornava algo cada vez mais atraente para mim e, algumas vezes, ao visitar em busca de conhecimento o grande e antigo casarão da Avenida Independência onde trabalhavam os fotógrafos Pedro Flores e Léo Guerreiro, eu encontrava o tal Sioma. O grande fotógrafo era um senhor, então na casa dos seus 60 anos, claramente tratado com respeito pelos colegas de profissão.
Muito jovem, eu ainda não havia entendido totalmente o motivo daquela reverência e, depois, ele era mais conhecido por fazer retratos, trabalhar bem a luz no estúdio, o que naquela época eu não valorizava devidamente, afinal começava a acertar meu foco no fotojornalismo. O tempo passou veloz e quem, agora, tem 62 anos sou eu. Mesmo com ele escoando rápido, como um obturador de câmera que cristaliza a cena, eu tive a sorte de descobrir em tempo, como fizeram também Eneida Serrano e Karine Emerich, a dimensão do velho Sioma.
Nada é por acaso. A fototeca do Museu Joaquim José Felizardo, de Porto Alegre, leva o nome de Sioma Breitman. Supermerecido. Numa parede lá de casa, tem uma das fotos dele. Não é justo que seja esquecido o cara que ajuda tanta gente a lembrar do passado.