Numa enciclopédia virtual de construção coletiva, encontrei a seguinte entrada para o verbete "milonga": "É o ritmo nacional da Argentina, do Uruguai e do Rio Grande do Sul." Sem entrar em questões separatistas, que no mais das vezes são colocadas de forma rasa, parece ser possível inferir que o ritmo de raiz ibérica de alguma forma encarna um matiz cultural que configura o sul do continente.
Na Argentina e no Uruguai, desde Gardel e passando por Yupanqui, Piazzolla e Zitarrossa, entre muitos, a milonga está gravada nas páginas em que figuram o melhor da criação artística de nossos "hermanos". Alguns estudos defendem que etimologicamente "milonga", com origem africana, significa "palavra". Mas também pode ser: queixa, manha, astúcia, remédio...
Trazendo as brasas para debaixo do assado gaúcho, é de fácil constatação a predominância do gênero na produção musical das últimas décadas. Desde Barbosa Lessa e sua Milonga do Bem Querer, passando por Jayme Caetano Braun na Milonga de Três Bandeiras com Noel Guarany ou em Milonga com Pedro Ortaça, seguindo por Luiz Menezes e sua Milonga do Contrabando, ainda por José Mendes e a Milonga da Saudade e chegando a eclosão dos festivais nativistas com a Califórnia no início dos anos 1970, quando a profusão milongueira chega ao auge.
O gênero proporciona tantas formas de abordagem estética que tem se mostrado inesgotável em sua capacidade narrativa e musical. Pela milonga pode-se abordar a tristeza e seus contrapontos, a epopeia e suas frustrações, a espiralada senda do novo dentro do velho e sua infinitude passageira. Assim a milonga se refaz. Atualiza-se. Permeável às mais diversas intenções criativas.
Permito-me citar o CD Milonga Orientao do Bebeto Alves. Recém-lançado, reúne algumas canções que contribuem para a eternização da milonga. Certa vez, Luiz Sérgio Metz (Jacaré), depois de uma apresentação do Bebeto, escreveu: "... luz no osso...". Agora, numa das canções do álbum, o milongueiro Bebeto se apresenta Carneado de Luz. Milonga De Luz e Fogo caindo na avenida. Argentina, uruguaia e brasileira, "piedra del mismo camino, agua del mismo caudal", a milonga, depois das veredas e depois dos atalhos, sempre esteve aqui.