Aos 15 anos, a carioca Elisabeth Villas Boas Bravo - hoje mais conhecida pelo apelido Lizzie Bravo, inspirado na música Dizzy Miss Lizzy - deixou o Rio de Janeiro com destino a Londres. Na mente, um único objetivo: acompanhar, dia após dia, a rotina de Paul McCartney, Ringo Starr, John Lennon e George Harrison. Plantada em frente dos estúdios de Abbey Road ou dos escritórios da Apple ao longo de toda a temporada que passou em solo britânico, fotografou, conversou e tietou o quarteto. Fora as mais de cem imagens guardadas da época, trouxe de volta para casa 16 autógrafos somente de John - além da mais surpreendente recordação: ter sua voz gravada em uma das canções dos Beatles.
Ao ser convidada por Paul, um ano depois de chegar na Inglaterra, para fazer um backing vocal de Across The Universe, Lizzie marcou seu nome na história do quarteto mais famoso do mundo. A eterna beatlemaníca seguiu carreira de cantora e, para 2014, planeja o lançamento de um livro que contará, a partir dos textos de seu diário, a experiência do convívio diário com os Beatles. São essas passagens que ela promete relatar no evento deste sábado.
Zero Hora - Como surgiu a ideia de viajar a Londres?
Lizzie Bravo - No final de 1966, a banda anunciou que não iria mais fazer shows. Eu e minha melhor amiga, a Denise (Werneck), ficamos desesperadas pensando que nunca iríamos conseguir vê-los ao vivo. Tínhamos acabado de fazer 15 anos e pedimos de presente para nossos pais uma viagem a Londres. A Denise foi um mês antes porque meu pai estava viajando e eu ainda precisava que ele assinasse os documentos para que eu viajasse desacompanhada. Quando ela chegou, já descobriu onde ficava a casa de casa um deles e os estúdios. A Denise me mandou pelo correio meu primeiro autógrafo do John. A partir daí, a coisa começou a ficar mais próxima.
ZH - E como foi o primeiro encontro com o grupo?
Lizzie - Cheguei em Londres em 14 de fevereiro de 1967 e, nesse mesmo dia, a Denise já tinha visto eles entrando no estúdio (de Abbey Road). Ela falou para eu deixar minha mala no hotel e voltar correndo. Não troquei de roupa e nem tomei banho, só larguei minha mala e fui. Chegamos lá, ficamos esperando um tempo e, em determinada hora, saíram o John e o Ringo. A Denise falou pra mim: "é ele". E eu pensei: "ele quem?". Antes, ela já havia me mostrado os carros deles, passei a mão na poeira do carro do John... aquilo soava tão irreal. Eu tinha acabado de chegar em um país estranho e, no mesmo dia, vi os quatros Beatles e o Brian Epstein, empresário deles. A Denise falou para o John: "essa é a Lizzie, minha amiga do Brasil que eu disse que iria chegar". Não tenho ideia do que ele falou, não me lembro de mais nada dessa hora. Fiquei paralisada. Depois que ele foi embora, comecei a chorar. A partir desse dia, comecei a ir pra lá todo santo dia. Eles eram muito normais, conversavam com a gente, eram brincalhões, posavam para fotos.
ZH - Como surgiu o convite para gravar o backing vocal de Across The Universe?
Lizzie - Foi em 4 de fevereiro de 1968, quase um ano depois de eu ter chegado em Londres. Era um domingo, e eles raramente gravavam em finais de semana. No dia da gravação, éramos poucas pessoas e, quando não tinha muita gente, o porteiro deixava que ficássemos dentro do prédio porque era muito frio. Estava conversando com as outras meninas, o Paul chegou e perguntou se alguma de nós conseguia sustentar uma nota aguda. Como eu sempre cantei em coral, disse que conseguia. Depois, mandaram me buscar e eu levei comigo uma amiga inglesa que também cantava em coral. Fomos para dentro do estúdio e, quando entrei, o Paul pediu para que eu cantasse em "brasileiro". Fiquei com vergonha. Com 16 anos, os quatro Beatles e o George Martin na minha frente... fica difícil, né? Então, o John e o Paul nos ensinaram a letra da música, um no piano e outro no violão, e nos explicaram a parte que deveríamos cantar. Ao todo, ficamos duas horas e pouco com eles. O John me chamou para cantar com ele e explicou que o microfone era direcional, por isso tínhamos que cantar muito perto. Ele estava do meu lado direito e eu mal podia me mexer porque, se virasse, era capaz de beijá-lo. Depois o Paul me chamou para cantar com ele. Eu achei bem melhor, porque podia cantar e ficar olhando o John. Tem um trecho, no meu diário, onde escrevi: "queria ter podido não piscar para ver mais o John". Nós ficamos muito tranquilas, rimos muito, fizemos brincadeiras, tomamos chá e comemos biscoitos. Foi um clima muito legal, e eles elogiaram muito nossas vozes.
ZH - Neste sábado, na sua participação no Beatles Day, o que o público pode esperar?
Lizzie - Vou contar justamente a minha experiência, o que me levou a Londres, como era o dia a dia de vê-los e lembrar o quanto eles eram pessoas simples. Não existia esse lance de popstar que há hoje, eles eram muito tranquilos. É impressionante porque os Beatles são, hoje, maiores do que eles eram naquela época. Realmente, é um fenômeno que ficou para sempre, e é muito gostoso saber que eu pude colocar uma gotinha de Brasil na história dos Beatles.