Eles começaram se apresentando como artistas de rua na Rua Olvera, no centro. Eram garotos latinos, imigrantes da classe trabalhadora, que cantavam Besame Mucho e Sabor a mí para os turistas. Por isso, quando os membros da banda La Santa Cecilia subiram ao palco do Staples Center, em janeiro, para receber o Prêmio Grammy de melhor disco de rock, música alternativa ou urbana latina, tinham chegado muito mais longe do que se poderia imaginar.
Naquele momento de triunfo, eles não se esqueceram de suas raízes, dedicando a vitória às mais de 11 milhões de pessoas sem documentos que vivem e trabalham arduamente nos Estados Unidos, e que ainda precisam ter uma vida mais digna. O gesto foi bastante apropriado, visto que foi uma canção sobre a situação desses imigrantes, "El Hielo", que tinha feito com que o primeiro CD do La Santa Cecilia por uma grande gravadora se tornasse um sucesso.
Agora, o grupo lançou o seu segundo CD pela Universal, chamado "Someday New". Trata-se de uma mistura eclética de composições originais, canções tradicionais e covers cantados em espanhol e inglês, com o objetivo de fazer as pessoas dançarem e refletirem por meio de uma sensibilidade moderna, mas que, ao mesmo tempo, evoca o passado. A banda também é o único grupo latino a se apresentar no festival Bonnaroo neste semestre.
- Sentimos que voltamos um pouco aos estilos que nos inspiraram, às nossas raízes, com esse disco, disse a vocalista do grupo, Marisol Hernández, conhecida como La Marisoul, em uma entrevista recente concedida aqui, na qual alternou inglês e espanhol, às vezes na mesma frase. - Acho que 'Someday New' expressa aquilo que nós amamos - nossa própria interpretação da música tradicional.
Como ponto de encontro para a entrevista, a banda escolheu um restaurante na Rua Olvera, onde Hernández cantou profissionalmente pela primeira vez. Seu pai, Jesús, ainda gerencia uma loja de souvenires na rua, no centro do bairro histórico em que Los Angeles foi fundada, e onde todos os quatro principais membros da banda são uma presença conhecida: ao levar um visitante para passear por lá, foram recebidos por vendedores e funcionários de restaurantes ouvindo "Felicitaciones, chicos" ("Parabéns, pessoal") de muitos deles.
Os membros do La Santa Cecilia, banda fundada no final de 2007 cujo nome homenageia a santa padroeira da música, foram criados aqui, crescendo em um meio totalmente bilíngue, de forma bicultural. Eles citam uma enorme variedade de músicos que os influenciaram ao longo da vida: Nirvana, Santana, Rush, punk rock e reggae e, do lado latino clássico, Ramón Ayala, Trio Los Panchos, Los Alegres de Terán, cumbia e boleros.
Os membros da banda, todos na casa dos 30 anos, descrevem seu som como um "guisado" que reúne todas essas influências em uma apetitosa mistura bilíngue. Eles são apreciados por um público que, como eles, têm "um iPod shuffle na cabeça", como disse o percussionista Miguel Ramírez, uma abordagem que faz com que a música da banda seja difícil de categorizar e comercializar.
- A princípio, eu não entendi qual era a da banda, confessou Sebastián Krys, produtor da banda, nascido na Argentina, que já havia trabalhado com artistas como Carlos Vives e Gloria Estefan. "Vindo da indústria musical, minha primeira reação foi: 'O som é ótimo, mas como podemos classificá-lo?' Levei um tempo para chegar a uma conclusão quanto a qual seção de uma loja de discos teria mais a ver com a banda. Felizmente para nós, não existem mais lojas de discos.
Quanto ao visual, o grupo é um grande apanhado de estilos diferentes. Hernández - que cita a atriz e cantora mexicana Lucha Villa, a cantora folclórica argentina Mercedes Sosa e Janis Joplin como influências - gosta de saias rodadas e tutus de cores brilhantes, e, para completar, óculos escuros retrô enfeitados com strass, enquanto seus companheiros de banda já foram vistos vestindo guayaberas ou até mesmo roupas de mariachi.
Embora o La Santa Cecilia já exista há pouco mais de seis anos, os membros da banda trabalham como músicos desde que eram adolescentes. Em várias configurações, eles tocaram em bares, casamentos, velórios e festas de quinze anos em todo o sul da Califórnia, assim como na praça que fica no final da Rua Olvera; Ramirez e o baixista Alex Bendaña, nascidos na Venezuela e filhos de pais da Nicarágua, também tocaram em grupos de salsa.
Inicialmente, não se imaginava que os membros da banda de alguma forma se tornariam defensores da reforma de imigração dos EUA. - Nós escolhemos chamar a banda de La Santa Cecilia porque queríamos algo que representasse a nossa fé na música, os nossos sonhos e aquilo que poderíamos realizar com a música. Nós não tínhamos uma intenção ou agenda política no início de nossa formação, disse Ramirez.
Mas isso mudou um ano atrás, com o lançamento de "El Hielo", cujo título contém um trocadilho. "Hielo", "gelo" em espanhol, é "ice" em inglês - as iniciais da agência de Imigração e Alfândega do governo federal dos Estados Unidos. A música, acompanhada por um vídeo poderoso que logo virou febre na internet, ofereceu um retrato sensível dos imigrantes latinos que vivem com medo de serem deportados, com o ICE solto nessas ruas e sem nunca saber quando eles vão ser pegos.
As questões abordadas por "El Hielo" não eram apenas uma abstração para o La Santa Cecilia. Os membros do grupo vêm de famílias de imigrantes, tendo inclusive parentes que, por um tempo, estiveram nos Estados Unidos ilegalmente; José Carlos, que toca acordeão e requinto na banda, também esteve nessa categoria até o ano passado, quando conseguiu um visto de trabalho e um número de Segurança Social, graças às mudanças na política de imigração que a Casa Branca anunciou em junho de 2012.
Antes disso, as possibilidades de turnês da banda eram limitadas, visto que Carlos, levado para os EUA aos 6 anos, poderia ser preso pelas autoridades de imigração e deportado. Os membros da banda hesitavam em voar juntos, e quando viajavam por terra para o Texas para realizar shows, sempre pegavam um caminho que os mantinha longe dos postos de controle de imigração, chegando a levar um dia a mais para concluir a viagem.
- Foi assim por cinco anos. Fomos umas 10 vezes a San Antonio e Austin, onde tínhamos muitos fãs, mas no ano passado finalmente conseguimos passar pelo caminho mais próximo da fronteira, e foi bem mais rápido, disse Carlos.
- Cara, ficamos muito felizes ao dirigir pela 10. Ir ao SXSW dessa forma foi incrível, acrescentou Hernández, referindo-se à rota interestadual 10, que passa perto da fronteira com o México quando chega ao Sudoeste do país.
Someway New reafirma o compromisso da banda com as causas ligadas à imigração por meio de um veículo improvável, Strawberry Fields Forever. A banda mexicanizou o clássico psicodélico dos Beatles com toques norteños e de Son Jarocho, politizando a canção no palco ao contar ao público a história de como ela veio a ser incluída em seu repertório.
- Começamos viajando pela Califórnia, por Bakersfield, Fresno, Salinas, todos aqueles lugares onde vemos os trabalhadores imigrantes e os campos de morango, e sentimos uma conexão louca que transformou o sentido da música", explicou Hernández. "Passamos por muitos lugares e vimos a terra sendo cultivada. Agora, então, nós apenas apresentamos a música e dizemos que ela nos faz lembrar de todos os trabalhadores que estão por aí, cuidando dos seus campos de morango para sempre. Só não podemos nos esquecer de quem eles são e de onde eles vieram.