1 - Um acontecimento
Raramente os porto-alegrenses se reúnem à beira do Arroio Dilúvio, na Capital. Realizada em setembro, na esquina da Ipiranga com a Borges de Medeiros, dentro da programação do 20º Porto Alegre Em Cena, a apresentação única da performance Ilha dos Amores - Um Diálogo Sensual com a Cidade, do grupo Falos & Stercus, mobilizou quem passava a pé e de carro. Performers se beijavam e se acariciavam, nus, nos taludes. Na água poluída, corajosos esportistas passeavam de wakeboard. Na calçada, atores brincavam com bacias com água, como as banhistas de Renoir. E, no meio da rua, outras artistas se insinuavam sensualmente para os carros parados no sinal fechado. Inspirada em uma passagem de Os Lusíadas, de Camões, a performance chamou a atenção para o descaso com o Arroio Dilúvio, transformando-o em uma fonte de prazer.
2 - Uma retomada
Tendência ou fenômeno passageiro? Ainda é cedo para responder, mas o público gaúcho, ao final da temporada, terá assistido a uma retomada na produção local de musicais com espetáculos assinados pelo diretor Zé Adão Barbosa em parceria com a coreógrafa Carlota Albuquerque. Em outubro, estreou em Porto Alegre O Apanhador (foto), baseado no romance de J.D. Salinger. O espetáculo contou com trilha sonora de Thedy Corrêa, executada ao vivo por uma banda. No dia 13 de dezembro, entrou em cartaz Godspell - A Esperança, versão do filme de mesmo nome, de 1973 (por sua vez, inspirado no musical de dois anos antes). Criado para o Natal de Canoas, o espetáculo reconta o Evangelho de São Mateus em uma ambientação moderna e urbana, colorida com a filosofia de vida hippie.
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3 - Um aniversário
Foi há 30 anos, mas nem parece. Afinal, o espetáculo nunca chegou a ficar muito tempo longe do público. Renovando o elenco periodicamente, a peça Bailei na Curva conquistou gerações de espectadores e se tornou uma produção de rara popularidade no Rio Grande do Sul - embora tenha sido montada também em outros Estados. Para celebrar o aniversário de três décadas, a produção dirigida por Júlio Conte teve uma curta e concorrida temporada comemorativa. As sessões contaram com a participação especial de atores do elenco original da peça, que contracenaram com os jovens da montagem atual. Comédia que mostra as modificações na vida de personagens da infância à juventude, durante a ditadura militar no Brasil, Bailei na Curva relevou-se, mais uma vez, uma obra que transcende seu tempo.
4 - Um fenômeno
Sucesso raro nos palcos gaúchos, o espetáculo do Guri de Uruguaiana, personagem de Jair Kobe, teve 28 sessões esgotadas em uma temporada no Theatro São Pedro. É a comprovação: tornou-se uma das figuras mais queridas e carismáticas do Rio Grande do Sul. Além disso, Kobe sabe, como poucos, utilizar a internet para divulgar seu trabalho: seus vídeos com paródias do Canto Alegretense, interpretado no ritmo de antigos e novos hits - de Help!, dos Beatles, a Gangnam Style, de Psy -, são garantia de audiência. Matéria publicada por Zero Hora em abril destacou que suas produções tiveram mais de 14 milhões de exibições no canal oficial no YouTube.
5 - Um iconoclasta
Marginal, não. Iconoclasta, sim. Assim se definiu o dramaturgo Julio Zanotta em entrevista publicada em Zero Hora em agosto. Um dos autores de teatro mais experientes do Rio Grande do Sul, Zanotta, 63 anos, foi homenageado com uma semana de leituras dramáticas de textos inéditos. Contou com versões dirigidas por diretores de destaque como Roberto Oliveira, João de Ricardo, Bob Bahlis e Daniel Colin. Sua trajetória pode ser traçada desde o final dos anos 1970, quando o grupo Ói Nóis Aqui Traveiz estreou na cena artística com montagens de A Divina Proporção e A Felicidade Não Esperneia Patati Patatá. Provocador, Zanotta passeia por temas que envolvem mitologia, sexo e violência.
- Sempre me achei subutilizado - disse a Zero Hora em agosto. - Tanto que chegou um ponto, de dois anos para cá, que continuo escrevendo para teatro e já nem me preocupo se vou ser encenado ou não.
6 - Um registro de uma grande autora
Em um país que poderia ter mais publicações com textos de peças teatrais, o Instituto Estadual do Livro do RS e a Companhia Rio-Grandense de Artes Gráficas tiveram a iniciativa de lançar a Obra Reunida, com peças e contos de Vera Karam (1959 _ 2003). Foi uma homenagem aos 10 anos de morte desta que é uma das mais importantes dramaturgas gaúchas dos últimos tempos. Estão lá textos de peças como Maldito Coração (Me Alegra que Tu Sofras). O teatro de Vera renova uma certa atmosfera que remete ao teatro do absurdo, procurando o que há de fantástico nas relações cotidianas. Um de seus ambientes favoritos de investigação é o âmbito familiar. A publicação foi uma oportunidade para redescobrir, também, a prosa da autora, em que ela pôde apresentar uma outra face criativa.
7 - Patrice Chéreau e outras perdas
Entre as mortes de 2013, inclui-se a do diretor francês Patrice Chéreau, um dos grandes nomes do teatro, do cinema e da ópera no século 20. Ele esteve na Capital em 2009 para participar do Porto Alegre Em Cena. Naquele ano, dirigiu a atriz Dominique Blanc no monólogo La Douleur, adaptação do livro de Marguerite Duras, e realizou uma leitura dramática do texto O Grande Inquisidor, trecho do clássico Os Irmãos Karamazov, de Dostoiévski. No cinema, Chéreau é conhecido pela direção de A Rainha Margot (1994), entre outros trabalhos. O ano de 2013 também foi o da morte da atriz e dramaturga italiana Franca Rame, mulher e parceira profissional de Dario Fo, vencedor do Nobel de Literatura de 1997. No Brasil, figuras importantes da dramaturgia deixaram a cena: foi o caso do diretor Fauzi Arap e dos atores Cleyde Yáconis, Walmor Chagas e Jorge Dória.
8 - Um ano difícil
Foi um ano de restrições orçamentárias para eventos culturais. Não foi diferente na área das artes cênicas. O Porto Alegre Em Cena chegou a sua vigésima edição em formato mais enxuto. Foram 41 espetáculos - em 2012, haviam sido 67. O orçamento ficou em R$ 3,18 milhões. Para efeito de comparação, as cifras haviam ficado em R$ 4,53 milhões em 2012 e em R$ 5,81 milhões em 2011. A qualidade da programação não foi comprometida: entre os destaques, esteve Sobre o Conceito da Face no Filho de Deus, da Socìetas Raffaello Sanzio. A crise também acometeu o Festival Internacional de Bonecos de Canela, que chegou a sua 25ª edição. Mas o sentimento foi de frustração. O evento foi viabilizado com R$ 400 mil, metade do valor que o coordenador Tiago Melo considerava o ideal, conforme declarou a Zero Hora em julho. O Festival de Canela tem enfrentado dificuldades _ a edição de 2012 chegou a ser cancelada por falta de patrocínio e foi viabilizada de última hora.
OS ESPETÁCULOS DO ANO
> Sobre o Conceito da Face no Filho de Deus, Socìetas Raffaello Sanzio
O destaque internacional do 20º Porto Alegre Em Cena foi um espetáculo comovente sobre a relação entre pais e filhos e sobre a negociação com a espiritualidade.
> Os Bárbaros - Extreme Fashion Show, La Pocha Nostra
Mexendo com tabus culturais, sexuais e religiosos, a atração do mexicano Guillermo Gómez-Peña no 8º Festival Palco Giratório Sesc-POA foi o que se viu de mais provocador nos teatros do Estado.
> Medeia Vozes, Ói Nóis Aqui Traveiz
Celebrando 35 anos, o grupo realizou um dos grandes espetáculos do país. Depois de uma disputada temporada de estreia em Porto Alegre, a peça foi apresentada em São Paulo e em Pernambuco - e volta a cartaz na Capital na semana que vem.
> A Arte e a Maneira de Abordar seu Chefe para Pedir um Aumento, com Marco Nanini
Traduzir para o teatro o romance experimental - e divertido - de Georges Perec foi o desafio de Marco Nanini neste monólogo dirigido por Guel Arraes.
> Natalício Cavalo, Cia. Rústica
Foi um ano prolífico para a Cia. Rústica. Natalício Cavalo é baseado em memórias familiares da diretora Patrícia Fagundes.
> Esta Criança, Cia. Brasileira de Teatro
Foi um ano em que o público gaúcho pôde conhecer diversos espetáculos do grupo paranaense. Esta Criança se destacou pela participação de Renata Sorrah.
> Estremeço, Cia. Stravaganza
O grupo gaúcho dirigido por Adriane Mottola surpreendeu com essa montagem de um texto de Joël Pommerat - também autor de Esta Criança.
> Alô, Dolly!, com Marília PÊra e Miguel Falabella
O musical dirigido por Falabella e apresentado em Porto Alegre foi uma mostra do que se tem produzido de melhor no gênero.
> O Lago dos Cisnes, Balé Nacional da Rússia
Um dos grandes balés de todos os tempos, O Lago dos Cisnes foi apresentado na Capital pela tradicional companhia russa na célebre coreografia de Petipa e Ivanov.
> Abolengo, Farruquito
Representante de uma dinastia do flamenco, o grande bailarino espanhol esteve em Porto Alegre acompanhado da bailarina mexicana Karime Amaya.