Daniel Galera
3 - Feira do barulho
O Brasil foi o país homenageado na Feira de Frankfurt, a maior feira de livros do mundo, em edição que gerou celeuma antes de começar. O best-seller Paulo Coelho declinou de comparecer oficialmente por considerar que faltavam na seleção dos 70 autores convidados oficiais, nomes populares como André Vianco ou Eduardo Spohr. Insinuou compadrio. Na Alemanha, o discurso de abertura ficou a cargo do escritor Luiz Ruffato, que se manifestou com dureza, definindo o Brasil como um país nascido do genocídio.
Renato Canini
6 - A casa ficou pequena
A Biblioteca Pública do Estado recebeu, por um projeto de lei proposto pelo deputado Raul Pont (PT) e aprovado pela Assembleia Legislativa, o nome do escritor Moacyr Scliar, em um ano marcado pelo debate sobre o futuro do espaço. O poeta Armindo Trevisan defendeu em artigo publicado em ZH que a Biblioteca deveria ser reformulada. A própria direção admitiu que sua sede, o prédio histórico do início do século 20, hoje em restauro, não terá espaço para todo o acervo mesmo após a reforma. Uma manifestação em abril abraçou o prédio para reforçar a necessidade de uma nova sede.
Com a aproximação do fim de 2013, chega o momento de reavaliar e retomar sob outra perspectiva os fatos e destaques do ano. O Segundo Caderno começa aqui retrospectivas temáticas que serão publicadas uma vez por semana, em dezembro. Para abrir a série, os destaques do ano em livros - uma área em que poucos assuntos foram tão discutidos quanto a censura prévia a biografias e os argumentos, alguns acalorados, dos biógrafos e artistas. O ano também foi de pensar os rumos de espaços públicos da Cultura no Estado, como a Biblioteca Pública, e de conhecer novos, como o Memorial Erico Verissimo. É uma época também para rememorar os premiados da temporada. Na próxima semana, será a vez de relembrar os destaques das Artes Cênicas.
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1 - Proibido proibir?
Foi o ano da polêmica das biografias. Uma ação impetrada no Supremo Tribunal Federal em 2012 pela Associação Nacional dos Editores de Livros tenta derrubar dois artigos do Código Civil que estabelecem a necessidade de autorização prévia de um biografado para a publicação de uma biografia e garantem a possibilidade deste proibir a obra. A partir de outubro, a discussão se tornou acirrada. Na Feira de Frankfurt, Ruy Castro leu um "manifesto dos intelectuais brasileiros contra a censura às biografias", que contou com a adesão de nomes como Fernando Morais, Nélida Piñon, Ferreira Gullar, Cristóvão Tezza e Zuenir Ventura. Artistas como Gilberto Gil, Chico Buarque, Roberto Carlos e Caetano Veloso se manifestaram a favor da manutenção dos artigos, por meio da associação Procure Saber, capitaneada pela empresária Paula Lavigne e originalmente militante no front dos direitos autorais. A polêmica gerou acusações de censura aos medalhões e terminou com um racha no movimento, após desentendimento público entre Roberto Carlos e os demais integrantes.
2 - Barba premiada
Com o romance Barba Ensopada de Sangue, lançado em 2012, Daniel Galera venceu o Prêmio São Paulo de Literatura. A temporada de premiações teve ainda Altair Martins contemplado com o Prêmio Moacyr Scliar pelo livro de contos Enquanto Água; o livro Diálogos Impossíveis, de Luis Fernando Verissimo, apontado como o Livro do Ano em Ficção no Jabuti, e Ana Maria Machado premiada no Passo Fundo Zaffari Bourbon com Infâmia, o mesmo romance que havia recebido nota zero de um jurado no Jabuti 2012.
4 - Crime incógnito
Durante alguns meses, foi o crime perfeito. Em abril, chegou às livrarias inglesas o romance policial O Chamado do Cuco, de um autor estreante chamado Robert Galbraith. A obra foi saudada como uma estreia promissora e recebeu elogios da crítica. No início de julho, o jornal Sunday Times desmascarou a trama: Robert Galbraith era, na verdade, J.K. Rowling, a escritora superstar da série Harry Potter. A indiscrição foi cometida por uma amiga de um dos sócios do escritório de advocacia de Rowling. Ela pretendia se dedicar a uma série policial em segredo para se libertar das expectativas que rondam seu nome a cada publicação. A obra, que havia vendido cerca de 1,5 mil exemplares desde a edição, tornou-se sucesso nas livrarias.
5 - O adeus a Canini
Referência para uma geração de ilustradores e formador de uma legião de leitores que aprenderam a admirar seus trabalhos no Zé Carioca da Disney sem sequer saber seu nome, o artista gaúcho Renato Canini morreu,aos 77 anos, em sua casa, em Pelotas. Canini assumiu a revista do Zé Carioca nos anos 1970, em uma fase considerada seminal para a transformação do papagaio em um personagem brasileiro de fato. Outras perdas registradas pelo universo literário em 2013 foram a do mestre do policial Elmore Leonard (de Cárcere Privado), de Richard Matheson (de Eu Sou a Lenda), da nobel Doris Lessing, do historiador Jacob Gorender e do autor português Urbano Tavares Rodrigues.
7 - Salinger na rede
Autor que levou a reclusão ao patamar mitológico, J.D. Salinger (1919 - 2010 protagonizou, mesmo depois de morto, um mistério virtual. Nos últimos dias de novembro, um volume em papel (ao lado) intitulado Three Stories, com três contos inéditos de Salinger, foi parar na rede. A brochura, publicada clandestinamente em 1999, havia sido arrematada em setembro no site de leilões virtuais eBay. Os três contos, datados dos anos 1940, haviam sido doados a universidades com instruções expressas de restrição.
8 - Visitadores
Foi um ano de muitos visitantes ilustres a pensar e discutir literatura e cultura em Porto Alegre. Em abril, o nobel sul-africano J.M. Coetzee, um dos grandes autores contemporâneos, esteve na Capital para falar de censura em uma palestra no Salão de Atos da UFRGS (foto). Três grandes comentaristas do marxismo também desembarcaram na cidade: Slavoj Zizek e David Harvey, para falar na Câmara de Vereadores, e Perry Anderson, que veio para o Fronteiras do Pensamento. O Fronteiras também trouxe à Capital o controverso filósofo Peter Singer, ideólogo dos direitos dos animais, e, no mês em que as manifestações começaram a sacudir o país, o sociólogo Manuel Castels, pensador das transformações sociais do século 21.
9 - Em memória de Erico
Em 24 de setembro, foi inaugurado o Memorial Erico Verissimo, no centro cultural que leva o nome do autor. Um espaço com exposições permanentes de 3 mil itens do autor, entre originais, notas manuscritas, primeiras edições, fotos e ilustrações, material antes sob a guarda de dois grandes amigos de Erico, o bibliófilo Mário de Almeida Lima e o professor Flávio Loureiro Chaves. Duas semanas depois, com a mudança de gestão na CEEE, o setor responsável por coordenar as atividades do Memorial foi extinto, e ambos voltaram a ser responsabilidade da diretoria de comunicação da entidade.
10 - Nobel aposentada
Em junho, ao aceitar o maior prêmio literário concedido pela província de Ontario, em seu Canadá natal, a escritora Alice Munro, 82 anos, comentou que provavelmente não escreveria mais, encorajada pela aposentadoria de Philip Roth em 2012. Quatro meses depois, em novembro, Munro, uma das mais aclamadas contistas em língua inglesa, foi agraciada com o Nobel de Literatura. Na entrevista oficial feita por telefone com a Academia Sueca, ela disse que o prêmio talvez a faça mudar de ideia e voltar à ativa.
Alice Munro
OS LIVROS DO ANO
> BARREIRA, DE AMILCAR BETTEGA
Exemplar do projeto Amores Expressos, e candidato a melhor da série. Uma fotógrafa
sai em busca por suas raízes na Turquia e desaparece, gerando outra busca, a de seu pai por ela.
> DIGAM A SATÃ QUE O RECADO FOI ENTENDIDO, DE DANIEL PELLIZZARI
Em outro romance resultado do projeto Amores Expressos, Pellizzari cria uma farsa
delirante em Dublin.
> DIVÓRCIO, DE RICARDO LÍSIAS
Após encontrar um indiscreto diário na gaveta da esposa, um escritor descobre o desprezo secreto que a mulher nutre por ele e mergulha em uma jornada de reconstrução. Mais um exercício de Lísias no terreno da autoficção.
> O OCEANO NO FIM DO CAMINHO, DE NEIL GAIMAN
Mais conhecido do grande público por seu trabalho nos quadrinhos, Gaiman constrói uma bela fábula sobre fantasia, magia e o fim da infância.
> OPISANIE SWIATA, DE VERÔNICA STIGGER
Ao saber que tem um filho que não conhecia hospitalizado no Brasil, um polonês viaja para a Amazônia. Talento do conto experimental, a autora estreia bem no romance.
O SERMÃO SOBRE A QUEDA DE ROMA, DE JÉRÔME FERRARI
Um bar na Córsega, montado por dois amigos que desistiram da carreira acadêmica,
é o signo da perpétua desilusão humana neste denso romance.
PULPHEAD, DE JOHN JEREMIAH SULLIVAN
Primeira coletânea lançada no Brasil de reportagens de um dos maiores nomes do
ensaísmo norte-americano, dono de um texto preciso e de um olhar agudo.
TIPOS DE PERTURBAÇÃO, DE LYDIA DAVIS
Primeira obra traduzida no Brasil de uma das mestras americanas do conto. São 57
narrativas breves nas quais a autora escrutina o inefável na brutalizada vida cotidiana.
TODA POESIA, DE PAULO LEMINSKI
Livro que, ao compilar em um único volume toda a poesia de Leminski, transformou
o provocativo autor paranaense em best-seller póstumo.
TODOS NÓS ADORÁVAMOS CAUBÓIS, DE CAROL BENSIMON
Em uma viagem sem destino pelo interior do Rio Grande do Sul, duas jovens fazem da expedição ao Interior uma busca pelo sentido do próprio relacionamento.