Os grupos de moças começaram a chegar uma hora e meia antes do início do show "Murder Ballad", musical de rock que fracassou off-Broadway em julho e estreou aqui quatro meses depois em uma produção toda coreana. Tanta antecedência porque elas queriam tempo para fazer vídeos dentro do mais novo teatro de Seul, que fica dentro de um shopping center, e para pegar autógrafos dos atores, claro, mas também dos iluminadores e maquiadores.
Ou qualquer um que trabalha nos musicais norte-americanos, cuja popularidade chegou a um ponto aqui que mudou até os planos dos produtores de Nova York; agora eles pensam em "esticar" a vida de seus shows.
Seul virou uma verdadeira mina de ouro para o gênero, com produtores dos dois lados do Atlântico de olho no público feminino jovem que foi criado à base da linguagem bombástica do K-pop e do histrionismo das novelas. As vendas de ingressos para musicais norte-americanos e europeus, bem como a de espetáculos originais coreanos, pulou de US$9 milhões em 2000 para um valor estimado de US$300 milhões, e um verdadeiro frenesi de contratos de licenças já começa a pipocar.
Sucessos garantidos como "Wicked", "Mamma Mia!" e "Grease" estrearam aqui em outubro, assim como fracassos retumbantes como "Ghost" e "Bonnie & Clyde", desafiando qualquer lógica em relação a gosto, tolerância e tradução. "Guys and Dolls" história tipicamente nova-iorquina, funciona em coreano, contanto que Miss Adelaide seja interpretada por uma atriz quase dez anos mais velha que seu Nathan Detroit, para refletir a tendência que toma conta de Seul: mulheres mais velhas saindo com caras mais novos.
Até espetáculos em curtíssimas temporadas off-Broadway, como "Murder Ballad", encontram fãs por essas terras.
- Vi a produção de Nova York no YouTube e fiquei obcecada - , conta Lee Joo-young, uma pesquisadora de trinta anos, através de intérprete, depois de uma apresentação recente. - É emocionante, é sensual, é forte. Os norte-americanos fazem esses shows como ninguém -
Públicos em Londres, São Paulo e Hamburgo também são conhecidos por seu interesse nesse tipo de entretenimento, mas a energia e o empreendedorismo de Seul são inacreditáveis. Com 300 teatros praticamente o mesmo número que Nova York a cidade continua construindo para acomodar a demanda. Uma megaigreja metodista acabou de construir uma casa no melhor estilo Broadway, enquanto outro teatro de 600 lugares foi inaugurado entre duas churrascarias. Sem contar que a plateia é predominantemente jovem, em um contraste brutal com o Ocidente, onde são bem mais velhas.
- Seul se tornou extremamente importante na vida de muitos musicais, em um fenômeno que nenhum de nós poderia prever há dez anos - , diz Judy Craymer, principal produtora de "Mamma Mia!" Em 2004, ela uniu forças com um monge budista e o sócio dele para a primeira de doze produções por toda a Coreia do Sul, sendo que a última estreou na capital em novembro.
- O país se transformou em uma referência fantástica para o mercado estrangeiro porque os coreanos viajam muito para Nova York e Londres e se preocupam muito com marcas. Uma infinidade de temporadas repetidas acontece na Coreia porque o pessoal assiste a alguma coisa nos EUA e quer voltar a ver quando voltam para casa... mas o melhor de tudo é o público jovem. O potencial de crescimento é infinito. -
As recompensas têm sido grandes para os produtores norte-americanos: geralmente eles recebem 15% do faturamento bruto da bilheteria, mais as taxas de licenças e administração em alguns casos, montante que pode chegar a milhões de dólares e equilibrar as perdas da Broadway.
E a maioria vê a Coreia do Sul como um modelo para os negócios que possam vir a fazer em um mercado muitíssimo maior: a China.
Pergunte a Edward Strong, um dos sócios da Dodger Theatricals que está levando "Jersey Boys", outro musical tipicamente norte-americano, para Seul pela primeira vez, em janeiro, como parte de uma turnê em inglês.
- Toda a Ásia é um mercado em potencial, mas, no momento, Seul é o destaque já que a atividade teatral no Japão caiu muito por causa da recessão econômica. Além do mais, queremos aprender com a nossa experiência sul-coreana e levar esse conhecimento para outros países da região. -
O grande sucesso com as moças (e muitos rapazes também) é geralmente atribuído ao fato de que os coreanos na faixa entre vinte e trinta anos ganham bons salários, mas ainda moram na casa dos pais, que só deixam para se casar ou seja, têm bastante dinheiro para gastar em ingressos, que custam quase tanto quanto em Nova York.
As vendas, aliás, começaram a crescer depois do sucesso inesperado de uma versão em coreano de "O Fantasma da Ópera", em 2001. Ela ficou sete meses em cartaz, temporada relativamente longa para a cidade; a maioria dos musicais populares é exibida por alguns meses e só voltam um ou dois anos depois. Essa rotatividade permite que celebridades diferentes entrem para o elenco, o que estimula o interesse. É muito comum astros das bandas de K-pop fazerem shows para casas lotadas e ganharem até US$50 mil por noite com um musical.
Em Nova York, 75 por cento dos espetáculos perdem dinheiro; aqui, são cerca de 80 a 90 por cento. (Produtores e atores norte-americanos, em geral, estão protegidos porque faturam também com licenças e royalties, não só com a bilheteria.) No entanto, o risco não impede que os coreanos montem todo tipo de show de maneira quase irresponsável, com uma mentalidade tipo "Oeste selvagem", segundo as palavras do produtor James Nederlander Jr. A preocupação de saturação do mercado está sempre presente, claro, mas os coreanos continuam adquirindo direitos das montagens.
- No momento há uma bolha porque são tantas as opções que o pessoal não sabe o que ver - , afirma Seol Doyun, que montou "Fantasma" em 2001 e agora está trabalhando em uma versão em coreano de "Wicked", cujas vendas, até agora, estão indo de vento em popa.
- O interessante é que as bolhas coreanas raramente estouram; é como o caso dos eletrônicos, do K-pop... elas continuam inchando. O pessoal está perdendo dinheiro, mas uma parcela continua tendo lucros, então todo mundo quer continuar investindo - , diz ele.
Para a surpresa de muitos, o público raramente reclama das traduções, por mais estranhas que pareçam. Na nova versão de "Wicked", o verso inesquecível da clássica "Defying Gravity", "É hora de tentar desafiar a gravidade", virou "Voe alto e livre-se da gravidade", para aumentar o número de palavras em coreano e manter o tempo da música.
Comédias como "Os Produtores" e "Spamalot", porém, não emplacaram por aqui e "O Rei Leão" maior faturamento da história da Broadway não agradou os coreanos, talvez porque tenha sido anunciado como um programa para a família quando, na verdade, é um drama pungente.
- Mais que os japoneses e chineses, os coreanos gostam de expressar seus sentimentos; querem romance, querem chorar, acabam se envolvendo emocionalmente e torcem pelos personagens - , explica Park Yong-ho, produtor local famoso.
Algumas jovens que assistiram a "Murder Ballad" afirmaram não ter se perturbado com os temas sexualmente explícitos nem o excesso de violência, comentando que os filmes e novelas coreanos estão no mesmo nível. Na verdade, ficaram empolgadas de verem a sedução acontecendo ao vivo. (O cenário coloca o público dentro de um bar, onde acontece grande parte da ação.)
- No princípio foi meio difícil atuar porque a minha personagem bebe e tem a mente muito aberta, o que não é típico da Coreia - , revela Lee Ji-yeon, que interpreta a tempestuosa nova-iorquina Sara. - Nunca estive em Nova York, foi difícil desenvolver uma personagem de lá. A minha sorte é que o público está ao meu lado porque todo mundo é fascinado pelas histórias norte-americanas. -
Cultura
Produtores norte-americanos estão de olho no mercado de musicais na Coreia do Sul
A capital sul-coreana Seul tornou-se uma mina de ouro para o gênero nos últimos anos
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