No fundo de um terreno localizado na Rua Anchieta, em Porto Alegre, se encontra um casarão comum, com moradores incomuns. Lá, mora gente que viveu a maior parte do tempo sob a vista do público. A Casa do Artista Riograndense abriga idosos que dedicaram sua vida às artes e hoje enfrentam dificuldades como a falta de moradia própria.
Com capacidade para abrigar uma dezena de hóspedes, a casa vem sendo reformada aos poucos: foram criadas novas áreas como sala de informática, e há um projeto de implantar um palco coberto. No último sábado de cada mês, são realizados saraus gratuitos para resgatar a história dos músicos, atores e artistas que vivem no local. Mas ainda são necessários recursos, materiais e mantimentos para manter o espaço funcionando.
Por isso, estão previstos shows com renda revertida para a manutenção da casa. A nova temporada de Música de Camelô, de Nico Nicolaiewsky, terá uma noite dedicada à entidade privada sem fins lucrativos. O espetáculo POA Paris POA, realizado pelo Sindicato dos Compositores e Intérpretes Musicais do Estado e que combina música e teatro, arrecadará alimentos e produtos.
- Estamos ajeitando tudo aos poucos, mas ainda faltam cerca de R$ 50 mil para completar o que falta - afirma o presidente da Casa do Artista, Luciano Fernandes.
:: Em VÍDEO, saiba quem são e como vivem os moradores da casa:
Conheça, a seguir, moradores incomuns do casarão da Rua Anchieta.
Borges perdeu a cabeça por amor
Carlos Borges (foto acima), 72 anos, trabalhou em rádio, TV, agência de publicidade. Fazia tanto produção quanto locução de rádio, operação de VT e áudio. Após passar por empresas como Rádio Cultura de Gravataí, TVs Gaúcha, Difusora e Piratini, estava preparado para qualquer desafio. Mas não para a morte da mulher após 39 anos juntos.
- Ela morreu depois de sofrer um AVC e ficar um ano em coma. Eu pirei - conta Borges.
Abandonou tudo, trabalho e casa, e foi passar os dias na rua. Só recobrou a consciência meses depois, quando sua vida já havia virado do avesso. Foi acolhido por amigos até, há 16 anos, conseguir uma vaga na casa de artistas.
- Aqui, temos independência, máquina de lavar roupa, cozinha, banheiros bons. Temos o que precisamos para viver - comemora.
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Wilson foi da radionovela à faxina
Quando começou a escovar os degraus de uma escadaria no centro de Porto Alegre, o antigo ator de radionovela Wilson Roberto Gomes, hoje com 72 anos, riu de si mesmo e pensou:
- Que queda, hein?
Ele recordava o tempo em que brilhava no rádio. A voz versátil permitia variar personagens, do galã "meloso" ao "cínico". Chegou a atuar na telenovela Santo Mestiço, da TV Paulista, futura Rede Globo. Com o fim das radionovelas e já de volta ao Estado, acabou trabalhando como faxineiro e porteiro de edifício. Há duas décadas, vive na Casa do Artista, onde decora as paredes internas com motivos abstratos, escreve textos (deve publicar um livro independente em breve) e vive sem ressentimentos:
- A humildade foi benéfica para mim.
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Temporal mudou o destino de La Porta
Carlos La Porta, 77 anos, modelo, ator de radionovela, teatro e TV, enlouquecia as fãs. Certa vez, o artista, que fez novelas como a primeira versão de Mulheres de Areia (1973), chegou a perder a camisa depois de enfrentar o cerco das admiradoras.
- Era mais ou menos como ocorria com o Cauby Peixoto - recorda Carlos, irmão do xerife da Feira do Livro de Porto Alegre, morto este ano.
Até os anos 1990, Carlos mantinha um curso de modelo quando um temporal derrubou o telhado e o forçou a procurar outra sede. Gastou dinheiro, mas divergências com o proprietário do imóvel inviabilizaram o negócio. Vendeu o apartamento e não encontrou trabalho. Há dois anos, vive na Casa do Artista. Ainda quer voltar a atuar:
- O que mais sinto falta é dos aplausos.
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Conde não pôde mais viver sozinho
Carlos Conde, 70 anos, pode dizer que teve uma vida repleta de emoções: teve quatro casamentos, que lhe deixaram três filhos, e uma longa carreira como cantor da noite. Não é à toa que precisou implantar cinco pontes de safena há alguns anos, razão pela qual não pôde mais morar sozinho e se viu convencido a ocupar um dos quartos individuais da casa dos artistas gaúchos.
Mas Conde não abandonou de vez a veia artística. Ainda faz apresentações esporádicas, servindo-se de bases musicais pré-gravadas, e canta nos saraus mensais realizados na Casa do Artista. Acredita que teria maior alcance se não fosse apenas intérprete:
- Quando se é autor, se tem uma vida mais longa. Mas eu sempre fui um operário da música.
Programe-se
> Música de Camelô, de Nico Nicolaiewsky
De quinta a sábado, às 21h, no StudioClio (Rua José do Patrocínio, 698). Os ingressos custam de R$ 40 a R$ 70 (renda revertida para a Casa do Artista no dia 14).
> POA Paris POA
Segunda, às 20h30min, no Teatro Glênio Peres (Câmara de Vereadores, Av. Loureiro da Silva, 255). O ingresso é um quilo de alimento não perecível e/ou produtos de limpeza ou higiene pessoal.
Como ajudar
> Doações de alimentos não perecíveis, material de higiene e limpeza ou outros tipos de auxílio podem ser encaminhados pelo telefone (51) 9123-7519, com Luciano Fernandes.