Cultura e Lazer

A arte de sobreviver

Casa do Artista Riograndense, que abriga idosos que dedicaram sua vida às artes, pede ajuda

Entidade acolhe quem hoje enfrentam dificuldades como a falta de moradia própria

Marcelo Gonzatto

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Félix Zucco / Agencia RBS
Carlos Borges, 72 anos

No fundo de um terreno localizado na Rua Anchieta, em Porto Alegre, se encontra um casarão comum, com moradores incomuns. Lá, mora gente que viveu a maior parte do tempo sob a vista do público. A Casa do Artista Riograndense abriga idosos que dedicaram sua vida às artes e hoje enfrentam dificuldades como a falta de moradia própria.

Com capacidade para abrigar uma dezena de hóspedes, a casa vem sendo reformada aos poucos: foram criadas novas áreas como sala de informática, e há um projeto de implantar um palco coberto. No último sábado de cada mês, são realizados saraus gratuitos para resgatar a história dos músicos, atores e artistas que vivem no local. Mas ainda são necessários recursos, materiais e mantimentos para manter o espaço funcionando.

Por isso, estão previstos shows com renda revertida para a manutenção da casa. A nova temporada de Música de Camelô, de Nico Nicolaiewsky, terá uma noite dedicada à entidade privada sem fins lucrativos. O espetáculo POA Paris POA, realizado pelo Sindicato dos Compositores e Intérpretes Musicais do Estado e que combina música e teatro, arrecadará alimentos e produtos.

- Estamos ajeitando tudo aos poucos, mas ainda faltam cerca de R$ 50 mil para completar o que falta - afirma o presidente da Casa do Artista, Luciano Fernandes.

:: Em VÍDEO, saiba quem são e como vivem os moradores da casa:

Conheça, a seguir, moradores incomuns do casarão da Rua Anchieta.

Borges perdeu a cabeça por amor

Carlos Borges (foto acima), 72 anos, trabalhou em rádio, TV, agência de publicidade. Fazia tanto produção quanto locução de rádio, operação de VT e áudio. Após passar por empresas como Rádio Cultura de Gravataí, TVs Gaúcha, Difusora e Piratini, estava preparado para qualquer desafio. Mas não para a morte da mulher após 39 anos juntos.

- Ela morreu depois de sofrer um AVC e ficar um ano em coma. Eu pirei - conta Borges.

Abandonou tudo, trabalho e casa, e foi passar os dias na rua. Só recobrou a consciência meses depois, quando sua vida já havia virado do avesso. Foi acolhido por amigos até, há 16 anos, conseguir uma vaga na casa de artistas.

- Aqui, temos independência, máquina de lavar roupa, cozinha, banheiros bons. Temos o que precisamos para viver - comemora.

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Wilson foi da radionovela à faxina

Quando começou a escovar os degraus de uma escadaria no centro de Porto Alegre, o antigo ator de radionovela Wilson Roberto Gomes, hoje com 72 anos, riu de si mesmo e pensou:

- Que queda, hein?

Ele recordava o tempo em que brilhava no rádio. A voz versátil permitia variar personagens, do galã "meloso" ao "cínico". Chegou a atuar na telenovela Santo Mestiço, da TV Paulista, futura Rede Globo. Com o fim das radionovelas e já de volta ao Estado, acabou trabalhando como faxineiro e porteiro de edifício. Há duas décadas, vive na Casa do Artista, onde decora as paredes internas com motivos abstratos, escreve textos (deve publicar um livro independente em breve) e vive sem ressentimentos:

- A humildade foi benéfica para mim.

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Temporal mudou o destino de La Porta

Carlos La Porta, 77 anos, modelo, ator de radionovela, teatro e TV, enlouquecia as fãs. Certa vez, o artista, que fez novelas como a primeira versão de Mulheres de Areia (1973), chegou a perder a camisa depois de enfrentar o cerco das admiradoras.

- Era mais ou menos como ocorria com o Cauby Peixoto - recorda Carlos, irmão do xerife da Feira do Livro de Porto Alegre, morto este ano.

Até os anos 1990, Carlos mantinha um curso de modelo quando um temporal derrubou o telhado e o forçou a procurar outra sede. Gastou dinheiro, mas divergências com o proprietário do imóvel inviabilizaram o negócio. Vendeu o apartamento e não encontrou trabalho. Há dois anos, vive na Casa do Artista. Ainda quer voltar a atuar:

- O que mais sinto falta é dos aplausos.

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Conde não pôde mais viver sozinho

Carlos Conde, 70 anos, pode dizer que teve uma vida repleta de emoções: teve quatro casamentos, que lhe deixaram três filhos, e uma longa carreira como cantor da noite. Não é à toa que precisou implantar cinco pontes de safena há alguns anos, razão pela qual não pôde mais morar sozinho e se viu convencido a ocupar um dos quartos individuais da casa dos artistas gaúchos.

Mas Conde não abandonou de vez a veia artística. Ainda faz apresentações esporádicas, servindo-se de bases musicais pré-gravadas, e canta nos saraus mensais realizados na Casa do Artista. Acredita que teria maior alcance se não fosse apenas intérprete:

- Quando se é autor, se tem uma vida mais longa. Mas eu sempre fui um operário da música.

Programe-se

> Música de Camelô, de Nico Nicolaiewsky
De quinta a sábado, às 21h, no StudioClio (Rua José do Patrocínio, 698). Os ingressos custam de R$ 40 a R$ 70 (renda revertida para a Casa do Artista no dia 14).

> POA Paris POA

Segunda, às 20h30min, no Teatro Glênio Peres (Câmara de Vereadores, Av. Loureiro da Silva, 255). O ingresso é um quilo de alimento não perecível e/ou produtos de limpeza ou higiene pessoal.

Como ajudar

> Doações de alimentos não perecíveis, material de higiene e limpeza ou outros tipos de auxílio podem ser encaminhados pelo telefone (51) 9123-7519, com Luciano Fernandes.

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