Uma vantagem de já se ter certa idade: observar os fenômenos da vez lançados pela cultura pop com um pouco mais de desconfiança. É tudo isso mesmo? Já não foi feito - e melhor - antes? Terá alguma relevância na semana que vem? Não é muita coisa hoje em dia que passa por essa peneira antes de merecer um pouco mais de atenção, acenando para ser resgatada do oceano de novidades que nos são despejadas a cada dia.
Breaking Bad, por exemplo. O seriado que teve seu trepidante desfecho no dia 29 de setembro ainda agora provoca impacto nos retardatários rendidos pelos marcos de excelência que a odisseia criminosa de Walter White cravou em arquitetura narrativa, desenho de personagens, dilemas morais e atuação de elenco, entre outros elementos fundamentais da boa dramaturgia. Fazer do espetacular seriado razão para a nova revoada das gralhas apocalípticas, que anunciam a agonia do cinema como grande arte, porém, é ilustrativo dessa falta de ponderação.
Em meio à justa celebração dessa (nova) grande fase vivida pelas séries de TV, a referencial revista britânica Sight & Sound, em edição recente, fez o básico: analisou o tema sob uma longa perspectiva histórica. Se nos últimos anos cineastas como David Fincher, Gus Van Sant, Michael Mann, Martin Scorsese e Steven Soderbergh se envolveram com ótimas atrações para a TV, antes deles também fizeram isso, desde os anos 1950, com maior ou menor grau adesão e entusiasmo, nomes que vão de John Ford a Lars von Trier.
E se Alfred Hitchcock comandou sua série de TV nos anos 1960 no piloto automático, Ingmar Bergman concebeu para serem exibidas na TV, em capítulos, antes de apresentá-las nos cinemas, pelo menos duas obras-primas: Cenas de um Casamento (1973) e Fanny & Alexander (1982). Bergman, aliás, com suas adaptações de clássicos teatrais para a TV sueca, tornou obsoleta para a dramaturgia, lá na década de 1960, a discussão sobre linguagem televisiva e linguagem cinematográfica como formas distintas e antagônicas de expressão artística, coisa que, volta e meia, os menos atentos - ou mais deslumbrados - tentam ressuscitar. A lista de monumentos erguidos por gabaritados cineastas para serem exibidos na TV ganha mais relevo com o Berlin Alexanderplatz (1980), de Fassbinder, e o Decálogo (1988) de Kieslowski.
Em 1990, discutia-se a revolução provocada por David Lynch com a estreia de Twin Peaks em um canal aberto dos EUA. Pouco mais de 10 anos atrás, aplaudia-se a fase de ouro que a TV americana vivia com a leva de séries capitaneadas por Seinfeld, Família Soprano, 24 Horas e A Sete Palmos. O que se tem de diferente hoje é a forma com que o público consome e interage com as centenas de opções, boas e ruins, que lhe são oferecidas tanto em um quanto em outro meio. É fato que o cinema comercial converge cada vez mais para o espetáculo que precisa atrair milhões de espectadores para fechar a contas da pirotecnia visual. Mas é fato também que o cinema segue muito vivo como arte e como experiência sensorial única, como mostram tanto a sala cheia para conferir o novo Woody Allen quanto o entusiasmo da garotada que prestigia cada vez mais as dezenas de projetos cinéfilos que ganham fôlego em Porto Alegre.