Saul Ranella, o diretor de coquetelaria do bar e restaurante Battery Harris prepara um Purple Harris. Foto: Sasha Maslov/NYTNS
Quando Etan Fraiman e David Shapiro ainda estavam bolando o Battery Harris, bar e restaurante que iam abrir no Brooklyn, Fraiman teve a ideia de comprar uma máquina para fazer drinques congelados, ou frozen drinks - quer coisa melhor para mostrar que a casa era divertida e não se levava muito a sério?
O problema era que Saul Ranella, o diretor de coquetelaria, se levava muito a sério. Afinal, sempre defendeu a linha artesanal e tem um currículo respeitado que inclui participações no programa dos restaurantes La Mar Cebichería Peruana em San Francisco e Nova York.
- Para ser sincero, sempre achei que essas máquinas fossem sinônimo de porcaria - admite ele.
Isso foi antes. Hoje, Ranella não vê a hora de comprar a segunda máquina e já está pensando em como convencer o pessoal a trazer uma terceira. Todo satisfeito, ele prepara uma redução de gengibre e especiarias tostadas para o seu frozen Dark & Stormy; ferve porções e mais porções de milho roxo, casca de abacaxi, pimenta-da-Jamaica, maçã, cravo-da-Índia, laranja, toranja, maçã verde e outros ingredientes e mistura tudo com açúcar, suco de limão e de maracujá, rum e pisco para a versão frozen de uma bebida peruana chamada "chicha morada", que no bar é conhecida como Purple Harris.
- Ainda me surpreendo um pouco por falar uma coisa dessas. Se me perguntasse há seis meses se toparia trabalhar com uma máquina, eu teria rido na sua cara - confessa Ranella, sorrindo como um garoto que acabou de ganhar um brinquedo novo.
Ajuda também o fato de que os drinques, que custam entre US$10 e US$13, vendem feito água. Numa noite de sábado, por exemplo, o Battery Harris chega a preparar 36 litros - e já são vários os bares de Nova York que ressuscitaram a bebida e a recolocaram no cardápio.
- Outro dia acho que um cara só pediu cerveja. De resto, foram só drinques gelados - conta Dan Sabo, sócio do Nights & Weekends, que todo dia oferece dois frozen diferentes.
Os mixologistas atuais conseguiram, com maestria, se recuperar de um dos capítulos mais constrangedores da história etílica dos últimos anos - e hoje os drinques "tiki", há pouco considerados antiquados e bregas, recuperaram o brilho original dos anos 30. Agora é a vez dos frozen drinques, que no fim do século XX arruinaram a reputação do daiquiri e da margarita como coquetéis sérios.
- Eu percebo que, no geral, o nível é de extrema precisão e cuidado em tudo, coisa de bar bem tradicional e conservador. Mesmo que o conceito seja supersimples, a preparação é impecável - diz John deBary, gerente do Momofuku, que antecipou a tendência e começou a servir frozen drinques, em 2009, no Noodle Bar.
Quando T.J. Lynch e os sócios do Mother's Ruin compraram uma máquina, em 2011, estavam pensando em usá-la para preparar sorvetes, sorbets e bebidas - talvez - só no brunch de domingo, quando as escolhas dos clientes são menos questionáveis.
- Aí a gente se tocou de que poderia ser uma empreitada bem divertida e com infinitas possibilidades. -
Resultado: o Mother's Ruin serve um frozen diferente a cada dia, que geralmente é o drinque mais vendido da casa. Entre as receitas, uma sangria branca com nectarina e cardamomo e uma mistura que leva ruibarbo, gim, limão, Aperol e água de laranjeira. No Donna, o diretor de bebidas Jeremy Oertel pretende usar a nova máquina do bar para preparar a versão frozen de seu Bitter Mai Tai, uma adaptação do clássico drinque "tiki" à base de Campari, e o Brancolada, alternativa à piña colada preparada com o bitter italiano de ervas Brancamenta.
Outro dono orgulhoso de uma máquina é o Drumbar, um lounge elegante na cobertura do Raffaello Hotel, em Chicago.
- Muita gente adora essa combinação de uma bebida que parece raspadinha de criança com o ambiente sofisticado- avalia Craig Schoettler, diretor de bebidas.
Os frozen vão muito além de apenas uma modinha de verão. Quando o Tippler, bar de coquetéis sob o Chelsea Market, abriu as portas em 2011 com um drinque frozen no cardápio (onde é chamado de "lushy", enquanto no Battery Harris o nome é "frozy"), seu criador, Tad Carducci, do Tippling Bros., achava que a bebida faria sucesso até a temperatura começar a cair, quando então seria substituído por algo mais quente.
- Quando tiramos do cardápio, em novembro, a clientela ficou revoltada - tanto que tivemos que trazê-lo de volta e foi bem pedido o inverno inteiro. -
É difícil saber por que ressurgiu o interesse na bebida, mas a verdade é que ela é divertida. (Como Carducci observou: "Não há nada intelectual a respeito dela".) Sem contar que as versões do século XXI são bem mais saborosas que as criações em cores fluorescentes servidas no auge da era disco.
- Quando eu comecei, tinha um liquidificador enorme atrás do balcão. Ali você despejava rum, a mistura de daiquiri, uns cubos de gelo, tudo a olho, batia e servia. Hoje tudo é medido e preparado com muito mais capricho - relembra Sabo.
O "slushy" agrada os bartenders não só porque vende bem ou é divertido; a verdade é que, depois que a máquina está cheia, o trabalho é mínimo.
- Do ponto de vista do bartender, ele é um sonho. E a gente acaba mal acostumado. Quando chega o inverno e o pessoal começa a pedir coquetéis, fica pensando no verão e na facilidade de apenas girar uma manivela - confirma Sabo.