A canção só aparece no final do novo musical "A Fantástica Fábrica de Chocolate", mas quando aquela melodia alegre e familiar começa a tocar, o público fica mais animado do que em qualquer outra parte do espetáculo. Durante uma apresentação no verão deste ano, muitas pessoas cantarolavam enquanto outras sorriam contentes enquanto o chocolateiro misterioso, Willy Wonka, entrava no elevador de vidro e cantava "Pure Imagination", a canção extremamente melodiosa do filme "A Fantástica Fábrica de Chocolate", de 1971.
O diretor do espetáculo, Sam Mendes, temia que isso acontecesse. No começo, ele não queria incluir "Pure Imagination", afirmando que já se sentia "assombrado" pela atuação de Gene Wilder, que interpretou Wonka no filme. Ele não queria que suas músicas originais acabassem comparadas com a música mais querida do filme.
Entretanto, agora, é "Pure Imagination" - mais durável que um Everlasting Gobstopper - que está assombrando o musical de US$ 20 milhões. O espetáculo pode muito bem acabar sendo lembrado como um aviso para os estúdios de cinema que desejam fazer musicais a partir de filmes e livros (neste caso, escrito por Roald Dahl) que são adorados por muitas pessoas.
- É uma música que não dá para tirar da cabeça. É bem difícil melhorar aquele filme, não é? - afirmou um membro do público, David Reid, de Inverness, na Escócia, ao lado do filho Matthew, de 12 anos, em frente ao Drury Lane Theatre após o show.
"A Fantástica Fábrica de Chocolate", a última empreitada musical dos estúdios de Hollywood para faturar com os direitos do filme, está em rota ascendente na direção do maior objetivo dos produtores da Warner Brothers: tornar-se um sucesso na Broadway. A estreia foi seguida por críticas mistas no verão deste ano (inverno no Brasil), entre as quais algumas muito duras - atrasando uma possível transferência para a Broadway e os lucros eventuais em Nova York ou com as turnês e produções internacionais que poderiam acontecer.
O mais preocupante é o fato de que alguns críticos tenham dito que a canção que mais fica na cabeça não é uma das 18 que foram compostas pelos vencedores do Prêmio Tony, Marc Shaiman e Scott Wittman ("Hairspray"), mas "Pure Imagination", a única importada do filme de Wilder.
Embora o musical de Mendes tenha muitas outras novidades - uma reviravolta envolvendo Wonka, interpretado por Douglas Hodge (vencedor do Tony por "La Cage aux Folles"), por exemplo, além de uma repaginada em Charlie e nas outras quatro crianças com o bilhete dourado - o espetáculo ainda precisa enfrentar um fantasma.
- Para mim foi muito difícil esquecer Gene Wilder enquanto estava trabalhando no projeto, mas o ideal é que as pessoas deixem o filme de lado - afirmou Mendes, vencedor do Oscar de melhor diretor pelo filme "Beleza Americana", cujo último filme foi "Skyfall", o sucesso de bilheteria com James Bond.
- Veja bem, existem interpretações visuais de mundos imaginários feitas pelo cinema que o teatro nunca será capaz de reproduzir - a estrada de tijolinhos amarelos acaba na parede do teatro e o rio de chocolate de Wonka nunca será parecido no palco. É preciso encontrar soluções mágicas para os desafios teatrais e esperar que o público esteja aberto a elas - acrescentou Mendes.
Ninguém está torcendo mais que os produtores do espetáculo na Warner Brothers, Mark Kaufman e Raymond Wu, que assumiram a divisão teatral em 2011 como parte da renovação após o fracasso de "Baby Its You" e "Lestat" na Broadway. Os dois foram agressivos em uma entrevista recente, usando superlativos para descrever a produção londrina de "A Fantástica Fábrica de Chocolate", mas também afirmaram que o musical seria modificado para a Broadway.
A transferência para Nova York ainda não foi anunciada; embora, acredite-se que o objetivo seja a temporada de 2014-15, os dois se negaram a dizer quando isso aconteceria. (Outro musical baseado em um livro de Dahl, "Matilda", está sendo apresentado em Londres e na Broadway; o espetáculo obteve sucesso de crítica e público em ambos os países.)
Sem críticas excelentes, "A Fantástica Fábrica de Chocolate" precisa se transformar em um sucesso de público para justificar uma transferência para Nova York. Além disso, os produtores poderiam acrescentar outras canções populares do filme de Wilder, como "The Candy Man", ou as canções dos "Oompa Loompa", que acompanhavam os homenzinhos de pele laranja que trabalham na fábrica.
Os executivos da Warner Brothers ouviram essas sugestões, mas não concordaram.
- Queremos que o musical acrescente conteúdo às outras obras ligadas à 'Fábrica de Chocolate', não que seja uma sessão de nostalgia. Portanto, usar mais músicas do filme não é algo que faça parte de nossos planos. O público americano pode ser um pouco diferente do inglês, por isso precisaremos mudar algumas coisas para nos adaptarmos. Contudo, Marc Shaiman e Scott Wittman fizeram sua parte muito bem e acredito que o público irá perceber isso - afirmou Kaufman.
Shaiman e Wittman foram claros desde o princípio com a Warner Brothers e com Mendes, afirmando que não estariam interessados em um musical misturado, que combinasse suas canções com a trilha que concorreu ao Oscar em 1971, escrita por Leslie Bricusse e Anthony Newley.
Shaiman, que escreveu as novas músicas e colaborou com Wittman nas letras, afirmou que não era sentimental quanto ao filme - ele só o assistiu pela primeira vez quando já era adulto - e não se sentia "pressionado a fazer jus ao filme", já que a adaptação cinematográfica do livro de Dahl, estrelando Johnny Depp no papel de Wonka, mostrou que uma nova versão de "A Fantástica Fábrica de Chocolate" poderia obter sucesso comercial.
Quanto ao acréscimo de "Pure Imagination" ao musical, os principais envolvidos não se lembram exatamente como a música foi incluída no espetáculo.
Mendes afirmou que mudou de ideia por conta da doçura da canção, mas que achava que não seria interessante do ponto de vista criativo forçar os compositores a utilizarem a música enquanto estivessem no processo de criação. Sua parceira de produção, Caro Newling, afirmou que os executivos da Warner Brothers queriam um material novo, mas também esperavam ver "a força" de "Pure Imagination". Todos resistiram no começo, afirmou, acrescentando que Shaiman foi o último a topar a ideia.
Shaiman afirmou que, na verdade, ele e Wittman perceberam que "Pure Imagination" se encaixaria bem no espetáculo; agora, ela é cantada perto do fim do espetáculo, quando Wonka e Charlie voam no elevador de vidro da fábrica. (No filme, Wonka canta a música quando as crianças entram na sala do chocolate.)
- Caro e Sam talvez tenham um ponto de vista maternal e paternal sobre 'como os meninos vão se sentir'. Durante anos, quando dizíamos que estávamos escrevendo as músicas para o musical, muita gente inteligente dizia '"Pure Imagination"! Eu amo essa música!' Scott e eu não somos idiotas. Para ser sincero, nós queríamos fazer sucesso, queríamos agradar a plateia - afirmou Shaiman.
O libreto, escrito pelo dramaturgo David Greig ("The Events"), possui muito em comum com o livro de Dahl e o primeiro filme, mas tem um humor menos sardônico e idiossincrático.
Greig, também não assistiu o primeiro filme quando era criança e só o viu depois que tinha aceitado participar do projeto do musical. Ele afirmou que escreveu o espetáculo pensando exclusivamente nas crianças.
Por hora, a maior parte da pressão recai sobre Hodge, que recebeu boas críticas sobre sua representação de Wonka. Ele abriu mão de um papel na nova produção britânica do clássico "Barnum" para fazer o musical e foi recebido com a linguagem inventiva e o desafio de interpretar um enigma. Ele pensou sobre Charlie Chaplin e Michael Jackson enquanto buscava o estilo e o tom de Wonka, o esquivo homem-criança, e também fez o possível para bloquear o fantasma de Wilder.
Quando os ensaios começaram na primavera deste ano, afirmou Mendes, a imagem de Wilder começou a desaparecer, à medida que a caracterização de Hodge se tornava mais afiada. Mendes afirmou que agora se sente "livre" do filme original de uma forma que o público de Londres e, eventualmente, dos Estados Unidos também irá perceber.
- Agora, o Doug é meu Wonka - afirmou sem deixar dúvidas.
E esse Wonka, assim como Wilder há quatro décadas, ainda canta "Pure Imagination".