A decisão se resumia a uma única questão: será que o público compraria presunto de Parma de um cara chamado Herb de Iowa?
- A ideia parecia meio maluca, mas não estúpida - conta Herb Eckhouse, o tal do Herb de Iowa que passou anos se questionando - e as peças de carne de porco nas câmaras frigoríficas à sua volta dão uma dica da decisão que tomou.
Estamos em uma quarta-feira, dia de salgar, e ele está concentrado em uma das tarefas mais importantes na produção do presunto, ou seja, cobrir a perna traseira do porco com sal marinho.
- É uma etapa importante, não pode haver erros - ensina.
Eckhouse e a mulher, Kathy, começaram a produzir o La Quercia Prosciutto Americano há oito anos nas instalações que eles mesmos montaram ao sul de Des Moines - e o resultado foram elogios rasgados à qualidade do presunto, que consta no cardápio de restaurantes e lojas de luxo de Nova Iorque, Chicago e São Francisco, além de ser vendido em algumas filiais do Whole Foods Markets e Costco.
- Eu vendo uma tonelada - diz Paul Kahan, restaurateur de Chicago que recebeu o prêmio James Beard deste ano como Chef Revelação. Kahan conheceu Eckhouse há cerca de 10 anos, em um jantar beneficente em Des Moines, mas só mais tarde começou a usar seus produtos.
Andrew Carmellini, o chef de Nova York, afirma que o La Quercia é "o presunto de Parma mais sensacional que provou fora da Itália". Ele faz parte do cardápio do Locanda Verde, enquanto a pancetta, da mesma empresa, é usada no Lafayette, seu novo restaurante francês.
Apesar de tudo isso, o casal Eckhouse, de rede no cabelo e avental branco, cuida dos mínimos detalhes e patrulha as salas de cura da La Quercia porque não quer cantar uma vitória não merecida.
Os porcos Tamworth, alimentados com bolotas, são seu mais novo projeto. Uma vez que o presunto leva apenas dois ingredientes - carne de porco e sal - é a raça do suíno e sua alimentação que garantem o sabor inconfundível. (A fabricação é um processo relativamente simples: a carne é salgada para perder toda a água, depois é refrigerada e maturada por vários meses.)
O casal espera pôr as primeiras peças do Tamworth no mercado em dezembro; até lá, terão maturado por dois anos. A variedade feita com a carne dos porcos Berkshire, também alimentados por bolotas, começou a ser vendida no ano passado.
- Sempre soubemos que nunca seríamos os maiores ou os mais eficientes. Preferi continuar pequeno e fazer um produto especial - admite Herb.
Ele também não tem a mínima intenção de imitar o presunto italiano ou espanhol.
- É presunto norte-americano mesmo, com um sabor complexo, doce e bem suculento. -
Desde o início o casal fez questão de trabalhar com práticas humanas e saudáveis; por isso, não usam a carne de porcos cuja alimentação é baseada em antibióticos ou ficam confinados em celeiros de metal, dando preferência aos criadores que oferecem espaço para os suínos, cama sobreposta e acesso a instalações ao ar livre.
Os Tamworth são criados por Russell Kremer em 60 hectares de floresta nas Montanhas Ozark - e todo ano, durante o outono, os porcos passeiam entre as árvores e consomem de cinco a seis variedades de bolotas.
Os Eckhouse passaram a apreciar as finas fatias do presunto curado durante os 3,5 anos que viveram em Parma, onde Herb Eckhouse foi o diretor da subsidiária italiana da que então era conhecida como Pioneer Hi-Bred International, uma empresa de sementes de Des Moines. Eles adotaram o estilo de vida local, inclusive colocando os filhos na pré-escola, e passaram a comer prosciutto de duas a três vezes por semana.
- Não aprendemos nada sobre como fazer, só sobre como comer - brinca ele.
Quando voltou para Iowa em 1989, o casal foi pego de surpresa pela beleza da paisagem, onde as plantações "pareciam explodir do solo negro e rico".
- Fiquei tão encantado que comecei a pensar no que poderíamos fazer para mostrar o nosso apreço por toda aquela fartura e beleza - conta.
E foi aí que surgiu a ideia de fazer prosciutto - se bem que a maioria dos amigos nem sabia exatamente do que eles estavam falando.
Dedicado e determinado, Herb Eckhouse começou a fazer contatos em convenções gastronômicas. No Fancy Food Show, em São Francisco, em 2001, ele simplesmente chegou para a vendedora e perguntou: "E aí, como é que ele é feito?" A mulher, uma empresária experiente, acabou se tornando sua mentora.
Foi essa abordagem direta que atraiu a atenção do cético Carmellini há 10 anos. Por nunca ter ouvido falar de Eckhouse, o chef ignorou seu pedido para um encontro antes de um jantar de criadores em Des Moines.
- Eu pensei: 'Ai, um cara que eu nem conheço vai me trazer um presunto de Parma feito em casa. E daí? - conta Carmellini.
Eckhouse não desistiu.
- Herb apareceu e me trouxe o prosciutto mais sensacional que provei fora da Itália - confessa o chef, que se tornou o primeiro freguês da La Quercia em Nova Iorque.
- Por causa das bolotas, o presunto tem um leve sabor de avelãs e é menos salgado que a maioria das marcas nacionais. -
Com Kahan, o vencedor do Prêmio James Beard, a experiência foi semelhante. Durante um jantar beneficente em Des Moines, Eckhouse o convenceu a acompanhá-lo ao estacionamento para provar o presunto que tinha bem acondicionado no porta-malas do carro. Resultado: hoje Kahan o serve com pão feito em casa e manteiga de leite de cabra no The Publican, um de seus restaurantes de Chicago.
De volta à La Quercia, no dia de salgar, um aparelho de som toca "Don Giovanni" na sala central, refrigerada, pois é ali que a carne fresca é trabalhada. Os Eckhouse acabam de entrar para ajudar os funcionários, que já chegam a trinta.
- Começamos a carreira dando duro e realizando coisas, é uma sensação muito boa - confessa Herb Eckhouse.
Quando terminam o trabalho da manhã, eles vão para o escritório, onde dois dos cachorros mais sortudos do mundo, Molly e Coco Chanel, passam os dias desde que foram adotados de um abrigo. Ficaram de pé quando a porta se abriu, deixando bem claro que ninguém pode entrar se não for devidamente cheirado e aprovado. Satisfeitos, os dois voltaram para o conforto da soneca, certos de que o paraíso fica por trás daquela porta, em um corredor forrado de bacon.
A fábrica foi projetada para imitar as quatro estações e se aproximar ao máximo da forma que o presunto era feito há 2 mil anos. As famílias dos criadores matavam os porcos no fim de novembro, salgavam a carne e usavam o frio para ajudar a conservá-la - isso para evitar a salmonela, grande inimiga das carnes curadas, que se prolifera em um ambiente quente e úmido.
- Eles usavam o porco inteiro, de um jeito ou de outro, para alimentar as famílias. Por isso salgavam e secavam a carne no inverno; depois só descongelavam durante a primavera e maturavam no verão. É assim que a nossa unidade funciona - descreve Herb.
Os presuntos passam de câmara a câmara, cada uma reproduzindo uma estação, todas com equipamentos italianos. Computadores controlam a temperatura e a umidade, mas as especificações do processo de maturação (como o período de tempo, por exemplo) são secretas.
- Se você perguntar a um fabricante de prosciutto o que está fazendo, ele sempre vai mentir - confessa Eckhouse.